A Ideia de um estado binacional na Palestina Histórica

Pesquisa da FFLCH avalia a concepção de um Estado de judeus e árabes como forma de suprimir a longa história de violência que cerca a região

Por Marcos Hermanson Pomar – marcoshpomar@gmail.com

Há quase cem anos – antes mesmo da criação de Israel como a conhecemos hoje, já se defendia que a melhor solução para aquela região, terra sagrada para muçulmanos, hebreus e cristãos, seria a criação de um estado binacional que acolhesse sem discriminação árabes e judeus. O pesquisador Danilo Guiral, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, dedicou seu mestrado à trajetória desta ideia.

No estado binacional, explica Danilo, “são reconhecidos os direitos nacionais de dois povos. No caso desta região, árabes e judeus teriam direitos plenamente iguais e identitários. Neste mestrado eu tentei entender quem, ao longo do tempo, defendeu esta ideia que data ainda dos anos 20”.

 

“A concepção se cristaliza nos anos 40 e 50, quando se torna uma ideia realmente forte, com organizações de peso que a defendiam. E seu ápice é provavelmente o fim da Segunda Guerra Mundial, quando das discussões a respeito do formato que deveria ser dado aquela região”. Na ocasião, a Comissão Anglo-americana de Inquérito, formada por juízes e diplomatas expediciona a palestina (à época sob mandato inglês) e toma um parecer favorável à solução binacional. “Também nessa época a ONU promove uma discussão muito grande entre diversos países do globo e o formato de estado duplo perde por poucos votos”, explica o pesquisador.

Apesar do contingente de muçulmanos chegar a quase 20% da população do Estado israelense, essa e outras minorias religiosas não tem os mesmos direitos que o resto da população. “Em hebraico os termos nacionalidade e cidadania não são sinônimos. Israel é definido como um estado judeu e ali os árabes não tem direitos identitários reconhecidos. Os palestinos com identidade israelense têm direitos reduzidos”, relata Bassi. “Por exemplo, eles não podem servir nas forças armadas. E isso, embora possa parecer um detalhe, impede o acesso a empregos, a concursos públicos e ao financiamento residencial, por exexmplo. Existe ali [em Israel] uma base de leis cuja função é justamente fazer essa distinção entre os dois tipos de cidadãos”.

Dentro das fronteiras do Estado israelense, os palestinos tem direito a votar, mas no Knesset, o parlamente, não podem defender a equidade de direitos. Desta mesma forma, oficialmente não se pode ter partidos declaradamente antissionistas. Outras formas de distinção também são claras, como as leis que regulam o casamento. No país cada religião tem tribunais específicos e reconhecidos pelo estado cuja função é chancelar os casamentos de seus seguidores, o que cria complicações quando é preciso tratar de uniões inter-comunitárias. Um casal formado por homem muçulmano e mulher judia, por exemplo, têm de se casar em um tribunal muçulmano, pois os tribunais judaicos não reconhecerão tal união.

Para Danilo, a solução binacional poderia ajudar a solucionar os problemas da discriminação, que acabam influindo também no estado de choque entre os dois povos, mas tem poucas chances de se concretizar: “Ainda que não seja a única alternativa possível, acredito que a concretização do estado único poderia trazer benefícios concretos se posta em prática da maneira correta”, argumenta. “No entanto, as chances de isso acontecer no futuro próximo são próximas de zero. Dos dois lados do conflito é difundida a ideia da separação, que acaba sendo mais cultural do que própriamente física, tendo em vista a proximidade da Palestina com Israel e a sua dependência mútua”.

Bassi argumenta ainda que há muitos interesses involvidos na ideia de separação, e que às elites políticas e econômicas o status quo representa uma conveniência. “Da mesma forma que os principais partidos se sustentam em Israel com essa indefinição também na Palestina, para que o governo se manter no poder é preciso que exija coisas que o estado de Israel nunca vai aceitar”, ele explica. “As elites econômicas, então, tiram proveito dessa dificuldade. Existe uma mão de obra barata palestina em Israel – que cada vez menos consegue entrar naquele país – mas que ainda é muito importante, existe um comércio amplo, e tudo isso cria uma relação de interdependência. Ao mesmo tempo que a Palestina depende dos capitais de Israel, Israel depende do território palestino, de seus recursos naturais, da exploração de sua população como força de trabalho e por aí vai”.

Dessa forma, alguns dos argumentos mais utilizados para justificar a ocupação são em boa parte pretextos usados para escamotear interesses mais terrenos: “O lado simbólico, religioso, assim como o argumento da defesa, importa muito pouco, na verdade. Aquela é uma região fértil, com uma importante produção agrícola, com recursos hídricos e outros recursos naturais que acabam atraindo muito interesse”.

Apesar de a ideia de um estado binacional ter sido relegada, no debate popular, a um lugar secundário, Danilo crê que seja possível ver ainda nos próximos anos uma mudança no imaginário que permita o ressurgimento desta noção de unidade: “A separação é desejada, mas esse não é um sentimento imutável, como nenhum outro o é. Seria inimaginável, no final dos anos 30, argumentar que logo alemães e franceses estariam reunidos em aliança numa entidade internacional, como aconteceu dentro dentro de poucos anos. Nenhum estado é imutável, e afirmar isso aqui seria não conhecer nada de história. Dessa forma, não é impensável falar que algo do tipo possa acontecer na Palestina”.

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