Grupo incentiva discussão dos papéis de gêneros entre homens autores de violência contra mulheres

Estudo que analisa programa de educação e responsabilização para homens agressores sugere que a desconstrução das expectativas de gênero por meio do diálogo pode prevenir a violência contra a mulher

No Brasil, a cada 7 minutos é feita uma denúncia de violência contra a mulher. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Por Letícia Fuentes – lepagliarini11@gmail.com

Uma tese de doutorado defendida em novembro na Faculdade de Medicina (FM) da USP apontou o debate dos papéis de gênero na sociedade por meio de grupos reflexivos como uma ferramenta eficiente no tratamento de homens autuados por agressão contra a mulher pela Lei Maria da Penha. O autor da pesquisa, Jan Billand, estudou a atuação de facilitadores de um grupo realizado em uma organização feminista não governamental.

Billand, que é formado em psicologia pela Université Lumière Lyon 2, na França, sempre enxergou a violência como um obstáculo para a saúde. “Já tinha trabalhado com outras ONG [Organização Não Governamental] na França em que o tema da violência já estava presente. Só depois comecei a trabalhar com uma organização feminista que tratava especificamente da violência contra a mulher”, conta. “Era um assunto que não compreendia muito bem, não entendia os homens que praticavam violência. Eles pareciam muito distantes de mim, mas tinha curiosidade de entrar nesse assunto. Depois, percebi que o meu ponto de vista era meio enviesado, porque a gente não é tão diferente assim, na verdade”, explica. “Eles eram homens, assim como eu.”

De acordo com dados da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), uma denúncia de violência contra a mulher é feita a cada 7 minutos no Brasil. Em 2015, os dez primeiros meses do ano já haviam totalizado cerca de 63.090 casos relatados às autoridades. Desse total, 49,82% corresponde a violência física. Os atendimentos também revelam que mais da metade dessas mulheres têm filhos e que 80% deles presenciam ou sofrem a violência junto à mãe. Ainda, segundo os dados, 85,85% das agressões ocorrem em ambiente familiar – na grande maioria dos casos, causada por algum homem com quem a vítima já teve vínculo afetivo ou por algum conhecido.

A pesquisa

Billand afirma que, inicialmente, se aproximou da ONG porque queria trabalhar como voluntário. A organização realiza trabalhos em parceria com a Justiça Criminal desde 2009, promovendo grupos de diálogo entre homens agressores. O pesquisador conta que se interessou pelo projeto e, depois de participar de algumas reuniões, teve a ideia de fazer um estudo a partir dele. Em sua investigação, participou durante dois anos dos encontros organizados por três facilitadores, cujo trabalho se transformou em objeto da pesquisa. A partir do que observava nas reuniões e entrevistas, Billand procurava compreender a atuação daqueles profissionais e como o diálogo e a desconstrução das expectativas de gênero que eram trabalhados durante os encontros poderiam contribuir para a prevenção da violência contra a mulher.

“O que os organizadores da intervenção querem é fazer os homens refletirem sobre o que são essas relações entre homens e mulheres hoje, aqui no Brasil”, diz. “Isso inclui pensar em questões como o que mudou com a Lei Maria da Penha, por que as pessoas ficam desestabilizadas por não se encontrarem nas relações entre homens e mulheres, como isso pode gerar violência e como podemos nos proteger. Esses são exemplos de perguntas que eles levantam”, explica o pesquisador. “Eu acho que a grande descoberta que eu fiz trabalhando com eles é que esse é um trabalho que pode ser feito em diálogo.”

Ele conta que, na literatura, muitas pesquisas tentam traçar um perfil psicológico ou sociológico daqueles homens, pensando em métodos de como propor um tratamento capaz de mudá-los em um curto período de tempo. “Ninguém ensina ninguém a se mudar de um jeito tão radical. E ainda ficamos com essa ilusão de que eles são objetos completamente distintos de nós. Lutamos contra eles como se fossem um vírus, mas eles são pessoas, nós só podemos conversar com eles”, afirma Billand. “O grupo permite problematizar a normalidade masculina, mais do que as formas extremas e patológicas de ser homem. Os homens que estão lá não têm um perfil distinto; percebemos rapidamente que poderiam ser um tio, uma pessoa da fila da lanchonete, até advogados que conhecem muito bem a lei.”

No Brasil, o serviço de atendimento da Secretaria de Políticas para Mulheres atende pelo Ligue 180 e serve de canal direto de orientação sobre direitos e serviços públicos para a população feminina em todo o país. A ligação é gratuita e a denúncia pode ser feita diretamente pelo telefone. Para mais informações, acesse o portal oficial do órgão.

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