Cobertura midiática da guerra na Síria é tema de mestrado

Dissertação fez análise quantitativas e qualitativas para analisar os dois discursos predominantes na mídia sobre a guerra. Foto: Reuters.

Em meio a diversos conflitos armados latentes no mundo inteiro, o debate sobre a cobertura midiática desses eventos vem ganhando grande importância. A chamada mídia hegemônica, aquela que alcança o maior número de pessoas, constrói uma narrativa; a mídia contra-hegemônica, na contramão, outra. Aquela, cujo vasto alcance lhe permite influenciar a opinião pública de maneira sistemática, traça inimigos com facilidade, enquanto a outra vem lentamente mostrando um lado muitas vezes silenciados desses inimigos.

Num confronto que se arrasta desde 2011, a guerra cívil na Síria é um dos conflitos que que vem recebendo maior atenção da mídia global, principalmente nas últimas semanas, em que os recentes ataques estadunidenses ao país obtiveram ampla aceitação ocidental. Pondo em xeque a naturalização das narrativas ocidentais sobre essa guerra, a dissertação de mestrado de Babel Hajjar pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, finalizada em 2016, faz uma análise da cobertura da mídia global da guerra na Síria.

“Eu queria a resposta para as seguinte perguntas: por que existem dois discursos [sobre a guerra na Síria]? Qual é a diferença entre esses discursos? De onde eles se originam?”, conta Hajjar, cuja ascendência é em grande parte síria. Para chegar a essas respostas, ele se apoiou, principalmente, em conceitos de Noam Chomsky e Edward S. Herman, como modelo de propaganda, e de Daya Thussu, como fluxo dominante e contra fluxo.

Comparando de forma quantitativa e qualitativa a cobertura das mídias do fluxo dominante, aquelas hegemônicas e internacionais, e do contra-fluxo, as de forte influência regional e tímido alcance internacional, Hajjar observou diferenças fundamentais que explicam o cenário midiático da cobertura sobre o tema. Ao passo em que as mídias do fluxo dominante homogeneamente procuram enfatizar sua posição contrária ao governo de Bashar Al-Assad e a favor da oposição armada, muitas vezes simplificando um contexto político complexo, as mídias do contra fluxo buscam reportar a situação de forma mais cautelosa, mostrando nuances dos dois lados da narrativa.

Hajjar levou em conta oito veículos em sua análise: as do fluxo dominante The New York Times (EUA), O Estado de S. Paulo (Brasil), Le Monde Diplomatique (Brasil), Al Jazeera (Catar); e as do contra fluxo Russia Today (Russia), Asia Times (Hong Kong), Al Akhbar (Líbano) e Al Masdar News (Síria). Além disso, considerou quatro episódios da guerra que, segundo ele, exemplificam bem o comportamento editorial desses veículos: as fontes dos números de mortos, feridos e desabrigados no conflito; as manifestações pacíficas e a oposição armada; a reeleição de Bashar Al-Assad; as diferenças na forma como foram noticiadas as crises humanitárias nas cidades Madaya, Kefraya e Fouaa.

O levantamento sobre o número de vezes que a palavra “Síria” foi mencionada nesses veículos mostrou que, desde antes de março de 2011 – quando se iniciou a guerra civil no país, durante a Primavera Árabe – o The New York Times e O Estado de S. Paulo são os que mais o faziam. Hajjar explica a relevância desse dado, “é brutal a quantidade de vezes que um jornal como o New York Times usa ‘Síria’, e toda ideia que, [por consequência], ele põe por trás quando ele escreve a palavra Síria comparado com um jornal da China, o Asia Times, por exemplo, online e pequeno”. O contrário acontece no caso de artigos de opinião e editoriais, em que a palavra Síria é mencionada mais vezes nas mídias do contra fluxo. A Arábia Saudita, por outro lado, conta Hajjar – apesar de estar envolvida com diversos casos de desrespeito aos direitos humanos – não aparece no noticiário, o que a acaba protegendo.

Outros dados são até mais demonstrativos de um cenário nem tão dicotômico e ainda mais complexo. A contagem das vezes em que o Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH) – uma organização declaradamente pró-rebelde e alinhada com os interesses geopolíticos da União Europeia – foi utilizado como fonte do número de mortos, feridos e desabrigados em comparação com a Organização das Nações Unidas mostrou uma maior frequência do primeiro. “Uma organização de um homem só teve o poder de disseminar suas informações para toda a grande mídia”, constata Hajjar.

As análises qualitativas, menciona ele, serviram para ilustrar melhor os dados quantitativos. Nessa parte, Babel investigou os diferentes enfoques que os veículos do fluxo dominante e do contra fluxo tiveram ao noticiar os quatro episódios escolhidos para análise. Os resultados mostraram, por exemplo, que as matérias do fluxo dominante buscaram caracterizar o OSDH como uma instituição isenta, promovida pela militância isenta de seus executivos. Da forma semelhante, essas mesmas mídias tentaram de diversas formas, se utilizando de vários recursos argumentativos, deslegitimar a reeleição de Bashar Al-Assad.

“A análise que você faz de um conflito não pode ser só de um lado. Parece óbvio, mas é isso que a gente vive hoje com a predominância de alguns grupos midiáticos falando com um discurso muito próximo, quando claramente há visões que não conseguem aparecer tanto quanto outras”, diz Hajjar.

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