Pesquisa investiga fatores genéticos da obesidade em população quilombola

Créditos: Jornal Regional - Vale do Ribeira

Juliana Carnavalli realizou uma pesquisa que analisa os potenciais fatores genéticos associados ao sobrepeso e à obesidade em populações remanescentes de quilombos do Vale do Ribeira, em São Paulo. Considerando que a obesidade é um problema de saúde pública cada vez mais comum no Brasil e que a maioria dos estudos relacionados aos fatores genéticos foram realizados com indivíduos de ascendência europeia ou asiática, a pesquisadora trabalhou com essas comunidades rurais semi-isoladas de afrodescendentes.

Ela conta que sua professora orientadora, Regina Mingroni, já trabalha com essa população há mais de dez anos. Assim, os indivíduos dessas comunidades já haviam sido previamente bem caracterizados do ponto de vista clínico, genealógico e genético-populacional, o que a possibilitou realizar um estudo de associação em seu mestrado. Os dados, inclusive, já tinham sido usados para um estudo de hipertensão (a população apresenta mais de 50% de hipertensos). Juliana ainda pontua que a obesidade e o sobrepeso vem crescendo depois da ampliação do acesso da comunidade a produtos industrializados e alimentos de baixo valor nutricional.

Devido a esse cenário, surgiu a ideia de verificar a predisposição genética que confere a essa população uma elevada incidência da obesidade e do sobrepeso. A pesquisadora explicou que, em seu trabalho, essas condições foram estudadas juntas, pois o número amostral era pequeno e a quantidade de obesos era bem mais reduzida. A obesidade se caracteriza pelo índice de massa corporal (IMC) acima de 30 e o sobrepeso acima de 25.  O IMC é uma medida internacional usada para avaliar se uma pessoa está no peso ideal, seu cálculo é feito pela divisão da massa do indivíduo pelo quadrado de sua altura (massa em quilogramas e a altura em metros).

Juliana ressalta que é preciso entender a obesidade como uma doença multifatorial, ou seja, não é só genética. Mesmo que uma pessoa tenha a predisposição genética, ela pode nunca a desenvolver se não for exposta a um ambiente obesogênico: grande acesso a produtos industrializados, má alimentação e hábitos sedentários. Além disso, ela afirma que nunca há apenas um gene responsável, são sempre diversas mutações em diversos genes que juntas conferem uma predisposição ao sobrepeso e obesidade. “Assim, por tratar-se de uma doença multifatorial, os resultados nunca são gritantes”, acrescenta.

Em sua pesquisa, ela selecionou sete genes e nove polimorfismos (um dos genes continha dois polimorfismos) e realizou um estudo de associação que é, basicamente, verificar se dentro dos meus pacientes obesos e com sobrepeso (grupo caso) havia maior frequência dessas mutações do que no grupo controle. Segundo sua dissertação, a amostra constituiu-se de 759 indivíduos, pertencentes a 12 populações de remanescentes de quilombos: Abobral, São Pedro, Galvão, Ivaporunduva, Pedro Cubas, André Lopes, Nhunguara, Sapatu, Pilões, Maria Rosa, Poça e Reginaldo. Juliana explica resumidamente que, se uma determinada mutação está no seu grupo caso e não está no controle, ela pode inferir que aquele gene tem uma probabilidade maior de estar associado ao desenvolvimento da obesidade e do sobrepeso.

Além disso, Juliana fala sobre o processo mais detalhado da pesquisa. Com esses dados genéticos levantados junto das medidas antropométricas da população (IMC, razão cintura quadril e circunferência da cintura), ela buscou estudar se esses genes estavam conectados ou não com algum desses fenótipos ligados à obesidade. Usando essas três características expressas na obesidade e os polimorfismos selecionados, ela fez outro estudo de associação. A pesquisadora encontrou resultados mais sugestivos com o gene FTO que, segundo ela, é um gene relativamente novo nos estudos genéticos de obesidade (desde 2007). Ela pontua que esse gene vem sendo associado principalmente em populações europeias e asiáticas e que não tinha sido associado a populações africanas ou afrodescendentes.

Apesar da associação do gene  FTO ter sido sugestiva, a mutação escolhida não gerou nenhum resultado significativo. Juliana acredita que isso aconteceu porque a mutação que ela selecionou para o estudo já havia sido associada com populações europeias e asiáticas. “Já foram feitos estudos de ancestralidade nas populações quilombolas para verificar qual a contribuição de cada uma das populações ancestrais que deram origem às nossas (indígenas, portugueses e africanos). Então, por exemplo, se aquela porção do gene for de origem africana é provável que não encontraríamos associação entre o polimorfismo escolhido, pois a mutação que estávamos estudando foi associada em populações”, explica. “Por essa razão, pode se que essa mutação não seja causadora de obesidade nessa população, mas isso não quer dizer que ela não esteja associada à obesidade em outras populações, como já foi comprovado por outros estudos.” Isso, segundo ela, ressalta a importância do mapeamento por mistura que visa verificar e considerar a ancestralidade de cada porção cromossômica ao fazer o cálculo de associação.

Juliana aponta que os outros genes selecionados para a pesquisa tiveram resultados marginalmente significativos. A associação marginal, segundo ela, está ligado ao número amostral pequeno e à obesidade ser uma doença multifatorial. Ela ainda acrescenta que esses resultados são compatíveis com a expectativa, uma vez que, em relação à obesidade, não se espera nenhuma variante rara causando um efeito devastador e, sim, variantes em conjunto com efeitos modestos que conferem uma predisposição ao fenótipo estudado.

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