Cobertura otimista da Seleção Brasileira pode ser prejudicial

A euforia da imprensa em torno do grupo de Tite pode afetar diretamente os resultados

Tite, o técnico que trouxe a Seleção Brasileira de volta aos holofotes. Créditos: Vanderlei Almeida/AFP

As recentes vitórias da Seleção Brasileira de futebol, aliadas à qualidade técnica apresentada nas partidas, criaram certa euforia na mídia e nas redes sociais com relação à próxima Copa do Mundo, na Rússia. Diversos meios jornalísticos, tanto impressos quanto televisivos e online, estão com expectativas exacerbadas sobre um possível hexacampeonato que já é prometido desde 2006. Ary Rocco, pesquisador da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP), analisa o impacto de tal cobertura no que acontece dentro do gramado.

Para Rocco, a boa fase do grupo comandado por Tite é inegável, assim como a competência do treinador, e é justamente sua qualidade individual a responsável pelos resultados positivos. “Os meios de comunicação, numa forma geral têm avaliado muito o futebol brasileiro pela Seleção e pouco pela realidade efetiva do nosso futebol”, expõe o professor ao citar resultados negativos dos clubes nacionais em competições como a Copa Libertadores nos últimos dois anos. “Quando você analisa a Seleção Brasileira hoje, os resultados que ela obtém, é fruto do trabalho de uma pessoa (Tite), não é fruto de um processo.”

O papel da mídia, segundo o professor, seria de analisar as mazelas que envolvem esse processo, mas não é o que vem acontecendo: “A imprensa esportiva brasileira está cada vez mais voltada para o entretenimento, para a espetacularização do esporte”, diz Rocco. De acordo com seu estudo, não há dúvidas de que a cobrança popular parte diretamente do jornalismo e, sem pressão dos torcedores, o que se apresenta em campo pode acabar comprometido.

Ao tomar como exemplo a Copa do Mundo na Alemanha, em 2006, uma comparação pode ser feita. O título na Copa das Confederações e o “Quadrado Mágico” de Adriano, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e Kaká transformaram o sonho do hexa numa possibilidade muito sólida, mas o que aconteceu na partida contra a França destruiu essa crença. A imprensa, acreditando piamente no título, teve um comportamento que afetou diretamente o elenco, diz Rocco: “A mídia mostrou várias vezes a festa que eram os treinamentos da Seleção Brasileira, onde as pessoas podiam assistir e invadiam o gramado. Não houve um foco, uma concentração total, que deveria acontecer numa competição de alto rendimento.”

Situações similares podem ser encontradas, também, na Copa de 2014. Ações promocionais de um programa de televisão aconteceram em treinos da Seleção Brasileira. Um garoto com deficiência foi levado ao Centro de Treinamento para conhecer os atletas e, por ter uma história de vida emocionante, os comoveu: “O rapaz vai embora e o treinamento acabou. Isso não foi planejado. Os jogadores se emocionaram e agora eles vão treinar? Essa ação tinha que acontecer de forma que não afetasse a preparação e o foco dos atletas na competição.”

A “carrasca” Alemanha, por outro lado, exibiu um planejamento muito mais efetivo, na visão do pesquisador: “A Alemanha vem aqui, ganha de 7×1 do Brasil e os brasileiros acham que os alemães viraram super simpáticos”, relembrando a participação em algumas comunidades dos jogadores rivais. Lukas Podolski, um veterano, ficou marcado pela grande interação nas redes sociais, muitas vezes em português. O atacante, no entanto, jogou apenas 12 minutos em toda a competição e teria sido escolhido pela Confederação alemã como porta voz ― aquele que poderia se distrair enquanto o resto do grupo se focava mais nos treinamentos.

A recomendação do professor é que haja uma mentalidade midiática menos voltada para o entretenimento e mais direcionada ao esporte por si só, mas não há uma movimentação da imprensa para que isso ocorra: “Posso fazer de alguma forma com que as pessoas reflitam sobre o esporte brasileiro? Não. Prefere-se a notícia fácil, a audiência fácil e ponto final.”

Em suma, o pesquisador afirma que o jornalismo esportivo brasileiro já é ineficiente há um tempo, e não há uma perspectiva de melhorar no horizonte. “Para mim a imprensa esportiva praticamente não existe mais, ela faz um jornalismo de espetacularização, de polêmica, celebridades e discussões inúteis e ninguém discute os vários problemas do futebol brasileiro”.

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