Dos museus às periferias: de que forma se articulam as novas produções culturais contemporâneas

Foto: Periferia em Movimento

À primeira vista, o nome pode parecer bastante confuso, mas a pesquisa desenvolvida pela professora Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira durante seu ano sabático no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP é, pelo contrário, um desatador de nós em muitos sentidos. Partindo do tema Dinâmicas culturais contemporâneas: imbricações entre singularidades, coletivos, tecnologias e instituições culturais na perspectiva do Comum, a pesquisadora propõe uma reflexão a respeito de como as novas dinâmicas culturais, sobretudo as periféricas, que se dão principalmente a partir de coletivos, se estabelecem e se relacionam com os aparatos públicos. Por conta, principalmente, da efervescência cultural que já notava há algum tempo, Lúcia tomou como recorte a própria cidade de São Paulo, e visitou durante a execução da pesquisa diversas regiões da periferia, como o distrito Ermelino Matarazzo, São Mateus, Cidade Tiradentes, Vila Nova Cachoeirinha, entre outras. Observou também o trabalho de coletivos como o Coletores e participou de diversas intervenções culturais realizadas por eles nos mais diversos pontos da cidade.

Um dos pontos centrais do estudo foi desvendar o porquê e como se dava essa produção independente em uma cidade que, embora ainda resguarde certas limitações, conta com um forte aparato de equipamentos formais, como centros culturais, bibliotecas e museus. Apesar de realmente existir uma má distribuição desses equipamentos, Lúcia não acredita que seja tão simplista a explicação para o surgimento dessas produções periféricas pelos coletivos. Ela explica que existem outros aspectos sociais e culturais envolvidos como a própria perspectiva de ligação ao território. Numa concepção mais prática, há ainda a disjunção entre a gestão pública e as políticas culturais implantadas por ela e aquilo que os coletivos entendem como uma dinâmica necessária para sua produção. O resultado desse descompasso é, muitas vezes, uma relação mais distante e menos dinâmica entre as duas partes. A pesquisadora afirma que, por vezes, há esforços no sentido de promover essa aproximação, como aconteceu na última gestão da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Um processo de cogestão chegou inclusive a ser colocado em prática durante um tempo no distrito Ermelino Matarazzo, na Zona Leste. Para Lúcia, esse tipo de interação representa um grande avanço e essa abertura dos aparatos formais é imprescindível: “não é mais a ideia de levar determinadas formas de cultura para determinadas regiões, numa perspectiva quase missionária, mas a perspectiva de diálogo”.

O surgimento e o funcionamento dinâmico e orgânico dessas novas formas de produção cultural encontra embasamento teórico em um conceito amplamente explorado pela professora ao longo da pesquisa: a perspectiva do “Comum”. Trabalhado também por diversos outros estudiosos, é, simplificadamente, a ideia de que hoje há um grande movimento em que as pessoas se guiam pela ideia do compartilhamento e do comum, e não mais pela posse. Diversos outros movimentos culturais e sociais se pautam hoje por essa ideia, inclusive no meio digital, como o desenvolvimento e uso de softwares livres. Seria, em alguma medida, uma forma de resistência ao domínio global do capital.

Há ainda um outro ator de vital importância nessas novas dinâmicas culturais. De acordo com Lúcia, a tecnologia seria um dos fatores de maior impacto neste processo por ser a responsável por borrar os limites das produções artísticas tradicionais, que antes tinha perfeitamente delimitado quem produziria, quem cuidaria da circulação e quem consumiria este produto. As tecnologias permitem, hoje, que uma pessoa da periferia produza um audiovisual e ela mesma compartilhe na rede. “Redes e ruas estão muito conectados, as novas tecnologias propiciaram que estes coletivos consigam produzir”, afirma a pesquisadora.

Assim como busca fazer em todos seus outros trabalhos, Lúcia pauta ainda dentro desta pesquisa assuntos correlatos à consolidação democrática, ao ponto que questiona em que medida toda essa discussão permite ou não que novas vozes ganhem espaço de circulação e competição na arena pública. Não significa, no entanto, que a produção e distribuição cultural tenha se tornado igualitária. Para ela “é mais interessante pensar a ideia de “brechas”. São brechas que permitem que novas produções circulem.”

Além da produção de um artigo, que será publicado pelo IEA, a pesquisadora viu a necessidade de gerar um outro produto que representasse as diferentes linguagens artísticas com as quais estes coletivos estudados operam, dando a eles uma potência nessa articulação. Por isso decidiu produzir um filme conjuntamente com a cineasta Priscila Lima e com recursos disponibilizados pela Pró-Reitoria de Pesquisa da USP em parceria com o IEA, intitulado Dinâmicas, Flutuações e Pontos-Cegos. Assim, o estudo “não se resumiu a falar, relatar e analisar criticamente quais eram essas produções, mas mostrar o que elas são”.

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