Estudantes de medicina sofrem de ansiedade e depressão

Pesquisa pertencente ao Projeto Veras, da Faculdade de Medicina da USP, aponta o problema

Amostra de 1350 estudantes de medicina de 22 escolas médicas por todo o País. Reprodução.

No estudo de doutorado realizado pela psicóloga Fernanda Brenneisen Mayer, intitulado “Sintomas de depressão e ansiedade em estudantes de medicina – Um estudo multicêntrico”, a pesquisadora analisou a frequência e os fatores que apontam aos sintomas de depressão e ansiedade dentre os estudantes de medicina. Procurando a sintomatologia desses dois problemas, não os transtornos em si, o método utilizado foi um questionário sociodemográfico, dois questionários validados internacionalmente Beck Depression Inventory (BDI) e State Trait Anxiety Inventory (STAI) e duas perguntas sobre acesso ao suporte psicológico e programa de estresse. O desenho do estudo é transversal, multicêntrico nacional, com amostra aleatorizada de 1350 estudantes de medicina de 22 escolas médicas por todo o País.  

A pesquisadora mediu os sintomas de ansiedade de duas formas: ansiedade estado, ou seja, o estado ansioso, algo momentâneo; e ansiedade traço, uma característica de personalidade, em que a pessoa é propensa a reagir de forma mais ansiosa às situações adversas. Para isso, foi analisado fatores pessoais (Idade, sexo, moradia, bolsa de estudos) e fatores institucionais (ano da formação médica, status legal da escola, localização e serviço de apoio) dos estudantes.

Mas, o interessante de se observar são os resultados, dentre eles, três principais: os sintomas depressivos foram atestados em 41% dos estudantes; 81,7% apresentaram ansiedade estado e 85,6% apresentaram ansiedade traço. Outros resultados relevantes são que as mulheres tiveram os maiores índices de sintomas de ansiedade e depressão; estudantes de escolas localizadas nas capitais sofrem mais com esses sintomas do que os alunos de outras regiões e que estudantes bolsistas apresentam maior prevalência de ansiedade estado, e não tanto sintomas de ansiedade traço ou depressão. O cansaço, a autocobrança, a irritabilidade e o distúrbio do sono também foram frequentes. Conclusões curiosas e que, querendo ou não, refletem como a qualidade de vida do estudante de medicina está mais comprometida do que se imagina, e isso é gerado por diversos fatores. Mas, afinal, quando e como o interesse por esse tema surgiu? A partir de quando se reconheceu sua relevância?

A origem do estudo e o Projeto VERAS

Essa pesquisa da doutoranda Fernanda Brenneisen Mayer é um dos estudos do Projeto VERAS (acrônimo para Vida do Estudante e do Residente na Área da Saúde), que estuda a qualidade de vida dos estudantes dos cursos da área da saúde como um todo. Coordenado pelos doutores e professores Patrícia Tempski, Milton de Arruda Martins e Paulo Sérgio Panse Silveira, eles iniciaram essa linha de pesquisa em 2004, um momento em que os pesquisadores, tanto nacional, quanto internacionalmente, passaram a olhar para essa questão. “Tem um pesquisador, chamado Thomas M. Wolf (1994), que disse assim: ‘o curso de medicina é um ambiente de toxicidade psicológica’ ”, explica a doutora. “Ele faz essa afirmação tão incisiva e eu, que fui estudante de medicina e professora da faculdade, e, naquele momento específico, trabalhava na gestão de um curso de medicina, sentia que aquilo me incomodava, eu sabia que tinha impacto, e achava que precisava medir”. A partir dali, eles desenvolveram uma linha inteira que trata da qualidade de vida, de competências emocionais e do ambiente de ensino de estudantes, já em toda a área de saúde. Foi por meio da análise dos dados conseguidos pelo projeto, que conta com mais de 13 questionários validados internacionalmente, e dados sócio demográficos, que se tirou as fontes de análise de várias pesquisas de doutorado, como a de Fernanda Brenneisen Mayer

sobre ansiedade e depressão. Esse estudo, que teve seus informações coletadas entre 2011 e 2012, gerou o maior banco nacional sobre qualidade de vida do estudante e um dos maiores do mundo.  

O professor Paulo Silveira desenvolveu, dentro do projeto, uma plataforma eletrônica para a coleta de dados que é gratuita e vem sendo usada em várias escolas de medicina do Brasil. Nela, o aluno entra, responde o questionário e recebe imediatamente os resultados. Construída com verba de pesquisa, a plataforma é de livre acesso e de grande utilidade para uma auto reflexão dos estudantes, assim como para fins de diagnóstico educacional e de pesquisa.

Medidas para o futuro

O grupo de apoio aos estudantes de medicina, o Grapal, existe há mais de 20 anos. O serviço de tutoramento da FMUSP, para a criação de vínculos entre docentes e alunos, é um projeto que também é veterano. Iniciativas já foram realizadas para lidar com a realidade que assola esses estudantes, inclusive um fórum que procura mapear todos esses grupos de apoio pelo Brasil inteiro foi criado para pensar como melhorar o cuidado com esses alunos.

Em paralelo às pesquisas que detectam os sintomas e medem as prevalências dos problemas de saúde mental nos estudantes, a doutora Patrícia Tempski destaca os fatores protetores importantes para a saúde deles, comprovados por outros estudos do grupo. Ela destaca cinco principais: dormir, foi percebido em vários estudos que mais de 50% deles estão com privação de sono, ou seja, tem índices patológicos de sonolência diurna; falta de tempo, um dos maiores problemas, já que os alunos não conseguem realizar outras atividades, nem mesmo estudar para assimilar os conteúdos, devido a imensa grade horária, treiná-los para gerenciar melhor o tempo também é importante; praticar atividade física, não precisa nem ser intensa, uma atividade física moderada já assegura uma melhor qualidade de vida e saúde mental e física; ter supervisão dentro das práticas do curso, não ficar sozinho e desenvolver uma relação de suporte, um vínculo de confiança com colegas, com algum professor, profissionais do serviço de suporte da escola ou tutor, que ofereça essa ajuda e, por último mas não menos essencial, desenvolver resiliência — competência enfrentar adversidades, resistir à pressão, superar obstáculos e adaptar-se a mudanças —, tanto individual quanto institucional.  

Segundo a pesquisadora, os resultados do Projeto VERAS oferecem evidências nacionais sobre a qualidade de vida, competências emocionais, ambiente de ensino e saúde dos estudantes de medicina. Mas estudos que permitam estabelecer relações de causalidade, assim como propostas de intervenção concretas, ainda precisam ser desenvolvidos. O adoecimento dos alunos durante a formação médica é complexo e cabe a toda comunidade acadêmica tentar solucioná-lo.

 

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*