Pesquisa da Faculdade de Educação estuda a luta pelo ensino superior

Tese analisa o abandono dos cursos, tema que, apesar de pouco comentado, traz dados relevantes sobre a estrutura educacional do Brasil

Arte: Victória Martins

“O evadido é alguém que vai desaparecendo. Ele falta um dia, não faz um trabalho, não faz uma prova, deixa uma mensalidade e quando as pessoas percebem, ninguém mais tem notícia,” afirma Silvio Luiz da Costa. Doutor pela Faculdade de Educação da USP, ele abordou, em sua tese, defendida em 2016, a evasão no ensino superior, de modo a dar voz aos alunos “que ficaram à beira do caminho” e acabaram silenciados em meio às histórias dos concluintes.

Buscando identificar as condições vantajosas que permitiram a chegada ao ensino superior, bem como as dificuldades encontradas durante o percurso na universidade, Costa entrevistou oito evadidos de faculdades particulares, pertencentes às classes C e D, traçando, no processo, suas trajetórias familiares e escolares, além dos sentimentos em relação à universidade que surgiram após o abandono de seus cursos.

A entrada no ensino superior

Entre 2002 e 2012, as instituições de ensino superior brasileiras viram o número de alunos ingressantes dobrar, em decorrência da mudança nas condições econômicas do país e da criação de políticas públicas, como o Prouni e o Fies, nas universidades particulares e a política de cotas e adoção do Sisu nas instituições públicas. “Isto possibilitou que gente que nunca imaginou um dia poder sentar em um banco universitário pudesse estar na universidade,” explica Costa, lembrando que, assim, pessoas que antes não tinham grandes expectativas com relação à entrada na faculdade, puderam ingressar no ensino superior na perspectiva “de poder melhorar de vida”.

As políticas públicas foram um fator decisivo na entrada de novos personagens no ensino superior. Todavia, Silvio pontua que, para além delas, “um mínimo de condições vantajosas tornou possível” a chegada a estas instituições. Assim, através das entrevistas, o pesquisador notou que uma trajetória familiar semelhante se desenhava entre os ingressantes, marcada pelo acompanhamento da família na escola, o incentivo à leitura e, principalmente, a presença de uma pessoa de referência, que, por muitas vezes, já havia cursado o ensino superior, para estimular esse percurso em direção à universidade. Além disso, condições favoráveis apareceram nos caminhos escolares dos evadidos, que, entretanto, mostraram-se diferentes devido às disparidades nos processos de escolarização, por vezes tranquilos e, por vezes, marcados por intercorrências.

Obstáculos no caminho

A respeito do período em que estiveram na universidade, Costa explica que “eles conseguem chegar, atravessam o muro, mas existem mecanismos que dificultam a sua permanência no ensino superior”. Assim, no processo de entrevistas pôde levantar alguns fatores de interdição condicionantes no percurso dos ingressantes em direção ao diploma.

Como um dos fatores mais determinantes, Silvio aponta a dificuldade da universidade em ser mais acolhedora, sobretudo com os alunos que apresentam uma distância entre o seu mundo e o universo acadêmico. Além disso, no setor privado “grandes empresas” prestadoras de serviços educacionais abrem as portas para uma enorme quantidade de alunos, que são recebidos em turmas muito numerosas, com “professores cansados ou sem condição de atender todas as solicitações” e poucas políticas de acompanhamento das dificuldades dos estudantes. Contudo, o pesquisador afirma que não é apenas nas instituições em que residem estas “condições precárias de estudo”: muitas vezes, o próprio aluno não foi preparado para frequentar o espaço acadêmico e chega com pouco domínio “das habilidades básicas daquilo que se espera de alguém que esteja no ensino superior”, como o “hábito de ler e estudar”, além de outros complicadores como a  dificuldade de conciliar trabalho e estudo e a distância entre a faculdade e a residência.

Além disso, o pesquisador revela, ainda, que também foram determinantes a barreira econômica e a “precariedade na escolha”, posto que muitos alunos, sem condições, clareza ou possibilidade de fazerem o curso que realmente queriam, devido à pressões externas, como “notoriedade ou expectativa de empregabilidade”, acabam se decepcionando com a faculdade ou não encontram forças para superar as dificuldades.

Depois da evasão

No imaginário popular, perpetua-se a ideia de que no evadido permanece, principalmente, o sentimento de frustração por não ter concluído o curso. De fato, esta decepção existe. Entretanto, segundo Costa, “ter chegado lá é um motivo de orgulho, de reconhecimento, de satisfação pessoal. Há a convicção de que, se eles chegaram lá, é porque têm condições”.

Assim, o pesquisador percebeu, que, mesmo não chegando até o fim, o período passado na faculdade foi significativo para os evadidos, por, entre outros motivos, fornecer clareza em relação às escolhas e propiciar a obtenção de um capital que vai permanecer com o aluno após a desistência. “É um grupo de vencedores”, afirma.

Neste sentido, Costa revela que cabe às instituições de ensino e ao governo notarem o problema da evasão e pensarem em políticas de permanência, como mecanismos de acompanhamento, por exemplo, sistemas de tutorias; propostas que reconheçam as realidades de cada aluno, a saber, legislações que ofereçam melhores condições ao trabalhador-estudante e uma melhor adequação do curso para as condições dos estudantes, como a flexibilização dos currículos. “A educação deveria ser um instrumento para reduzir as nossas desigualdades”, revela. “Uma vez que você abriu as portas, você precisa acolher e dar condições para que ele possa crescer”.

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