Desmatamento na Amazônia e péssimas condições da população favorecem a transmissão da malária

A alteração no uso do solo e os fatores da ecologia humana precisam ser considerados na tentativa de erradicar a doença endêmica

Foto: Maria Anice Mureb Sallum

Pesquisa de doutorado, vinculada a um projeto do National Institute of Health (NIH), dos Estados Unidos, e à Fapesp, analisou a relação entre a fragmentação da Floresta Amazônica e a ocorrência de malária. O pesquisador Leonardo Suveges, da Faculdade de Saúde Pública da USP, concluiu que a alteração no uso do solo favorece a dinâmica do principal vetor da doença, o Anopheles darlingi.

“Parece que o desmatamento é um fator de risco, porque ele acaba modificando a paisagem da região, favorecendo a dominância do Anopheles darlingi e alterando a diversidade de todos os mosquitos que convivem naquele ambiente”, aponta Leonardo.

Na região da Floresta Amazônica, há uma série de assentamentos rurais regularizados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Geralmente, antes há uma invasão para a exploração ilegal da madeira. Só depois as pessoas começam a ocupar uma área específica com plantio ou pastoreio, para que possam requerer um certificado de posse de terra. É justamente nesse primeiro momento de ocupação que se verifica uma grande incidência da malária.

A orientadora do doutorado, Maria Anice Mureb Sallum, explica que em um mata fechada não se encontra o Anopheles darlingi, pois as condições não são adequadas. O grande sombreamento, a acidez da água e os competidores dificultam o estabelecimento da espécie. Mas, com a retirada da madeira, essas condições tornam-se mais adequadas para a espécie, que se desenvolve rapidamente e é agressiva na dominação do espaço.

Ao mesmo tempo que alterações ambientais propiciam o aumento do vetor, a situação em que vivem essas famílias favorece sua exposição à picada do mosquito. Os fatores relacionados à ecologia humana, como a pobreza, a falta de serviços de saúde e saneamento básico exigem igual atenção.

“O problema é quando o indivíduo mora em uma casa de palha, às vezes, só com um telhado e sem paredes. Ou, então, em uma casa de madeira com frestas enormes, onde a exposição é grande”, descreve Maria. “Também não é incomum ver casas grudadas no criadouro do mosquito. Em algumas situações que já presenciamos, o mosquito mal precisava voar para conseguir sangue. A falta de conhecimento da comunidade também acaba prejudicando, porque se ela conseguisse associar aquele ambiente à malária, ela não faria a casa dela ali.”

Casa de madeira com frestas em Machadinho D’Oeste, Rondônia
Foto: Maria Anice Mureb Sallum

Outro fator agravante é que, muitas vezes, esses indivíduos sequer conseguem se estabelecer por um longo período naquele pedaço de terra, por não conseguirem retirar dali o mínimo para seu sustento. A migração em decorrência disso acaba irradiando a doença e dificultando seu tratamento.

“Se tudo ocorrer muito bem e a pessoa conseguir se estabelecer na região, tendo um ganho suficiente para manter a família, ela permanece. Se nesse processo ela for prejudicada porque perdeu a pouca riqueza que tinha e a única coisa que ela ganhou foi a doença, ela sente que tem que ir embora para outro assentamento e começar tudo de novo”, esclarece Maria.   

Por mais que haja um sistema de vigilância para o controle da malária bem estruturado – com pelo menos um agente de saúde por comunidade rural, treinado pelo Ministério da Saúde para diagnosticar a malária e prescrever seu tratamento – isso não é o suficiente diante de uma intensa migração de pessoas infectadas.

“O sistema é bom, funciona bem. Mas a dinâmica da população humana e do meio ambiente é muito rápida, mais rápida do que é possível estabelecer um bom sistema de atendimento à saúde em uma região”, explica Maria.

A principal conclusão da pesquisa, na opinião de Leonardo, é que a melhor saída para controlar o número crescente de casos é uma política de melhor uso do solo.

“É preciso orientar a população a como usar aquele solo: o que ela pode plantar, como ela vai se estabelecer naquela terra e viver daquilo. A cobertura de tratamento precisa continuar, mas sua eficácia depende desse estabelecimento”, afirma o pesquisador.

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