Estudo da EACH faz panorama da reciclagem têxtil no Brasil

Início do processo de desfibragem do jeans, parte do processo mecânico de reciclagem. Imagem: Reprodução

Perante a escassez de estudos a respeito da reciclagem têxtil no Brasil, a pesquisadora Mariana Correa do Amaral desenvolveu, em 2016, pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP), a dissertação Reaproveitamento e reciclagem têxtil no Brasil: ações e prospecto de triagem de resíduos para pequenos geradores, visando à disseminação dessa possibilidade de destino para sobras de tecidos (retalhos) ou peças de vestuário descartadas. “Você não precisa jogar sua roupa fora ou ter que usá-la como um descarte menos relevante para a sociedade. As pessoas e as empresas podem se organizar para gerar novos negócios – porque isso é um novo negócio. Isso é uma cadeia de valor que está sendo menosprezada por falta de organização”, afirma Mariana.

Ainda que esteja um pouco atrasado no que se refere à reciclagem têxtil, o Brasil possui todas as etapas para a sua realização – tanto na parte de tecnologia quanto na de desenvolvimento, segundo a pesquisadora. De acordo com levantamento do seu estudo, apenas 20 empresas, aproximadamente, ocupam-se com isso no país. Elas estão concentradas nas regiões Sul e Sudeste e muitas trabalham de forma descontinuada, ou seja, não constante. “Você precisa ter uma escala muito grande, ter muita opção de retalho para ter uma produção constante de produtos recicláveis, principalmente fios e linhas. Mas são poucas empresas”, diz. Há algumas indústrias presentes também na região Nordeste, principalmente no Ceará, mas não há nenhuma no Norte e no Centro-Oeste, o que deixa diversos Estados sem alternativas para a reciclagem em larga escala, como citado na dissertação.

A principal fonte desses materiais para reciclagem no país são as confecções. Durante o momento do corte das peças que constituirão o vestuário, sobram as partes vazadas do tecido, os retalhos. As roupas em si, por outro lado, são recicladas em pequena escala, sendo destinadas principalmente para a produção de artesanato, como afirma Mariana. “No Brasil, a gente não tem o costume de jogar roupa fora, como acontece muito em outros países.”

É possível relacionar essas peculiaridades culturais com um panorama mais amplo. Países como os Estados Unidos e a Espanha, por exemplo, importam produtos têxteis em larga escala, não havendo essa produção de retalhos para a reciclagem. Nesses lugares, há uma estruturação eficiente no que se refere à reciclagem de produtos finais, pós-consumo, como peças de vestuário. Já o Brasil é o quinto maior produtor têxtil do mundo, de acordo com dados da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), gerando material em larga escala para o reaproveitamento.

O produto mais conhecido resultante dessa reciclagem no Brasil é a manta acústica, utilizada na indústria moveleira para o revestimento de colchões e estofados, e na indústria automobilística, compondo o tecido do teto de carros. Essa manta é composta, principalmente, de resíduos jeans, de algodão e é moldada com o uso de uma resina.

A pesquisa

Além da proposta de incentivar a preocupação com a sustentabilidade na área de materiais têxteis, a pesquisa teve como um de seus objetivos elencar as principais técnicas de reciclagem. Mesmo que cite a química como um dos métodos utilizados, Mariana coloca a reciclagem mecânica como o principal. O estudo se propôs a investigar a situação do Brasil na área e também a apresentar um prospecto de triagem de resíduos têxteis para pequenos geradores – ou seja, as pequenas confecções que geram até 200 litros de resíduos por dia. A partir desse número, é necessário contratar uma empresa de coleta ao invés de depender da Prefeitura.

A ideia de apresentar um prospecto de triagem a esse segmento tem como objetivo ilustrar como seria a logística de uma melhor organização da coleta de resíduos, seguindo o projeto Retalho Fashion. Criado pelo Sindicato das Indústrias Têxteis de São Paulo (Sinditêxtil-SP), ele visa à formalização do trabalho de catadores, além da reciclagem do que é descartado na região do Bom Retiro, em São Paulo, onde há a produção diária de 12 toneladas de resíduos têxteis. Para além do propósito de apresentar esse processo na dissertação, no entanto, o trabalho de Mariana tem como objetivo conscientizar os pequenos geradores sobre o valor que tais resíduos possuem. “Seria também falar para os pequenos geradores: ‘olha, se você separar esse retalho que você está jogando fora, misturando com resíduos orgânicos da sua loja, dos banheiros, da cozinha, ele pode gerar dinheiro para alguém”, diz. E completa: “Ele vai gerar recursos para o catador, para a cooperativa que separa esse material; ele será reciclado e se transformará em um outro produto.”

Durante a pesquisa, Mariana realizou visitas técnicas em seis empresas – cinco em indústrias de reciclagem têxtil e a outra em uma empresa que trabalha com soluções para o descarte de uniformes profissionais. Além disso, entrevistou outras três empresas. Dentre as entrevistadas, havia tanto empresas geradoras de resíduos como outras que já fazem da reciclagem um negócio. “Tanto na troca de resíduos quanto na reciclagem até mesmo de roupas prontas, transformando-as em outros objetos, como bolsas, aventais, necessaires. Então quis passar por todos os elos e falar sobre como os novos negócios foram surgindo a partir desse movimento de reciclagem têxtil.”

Entretanto, segundo o estudo, somente uma dessas empresas tem a reciclagem integrada à produção de artigos finais para a venda direta ao consumidor ou ao lojista. Todas as outras trabalham sob demanda – ou seja, não produzem além daquilo que há a garantia de venda. A pesquisa também evidenciou como o reaproveitamento desses resíduos têxteis é importante na geração de renda. Trata-se de um material que possui capacidade para ser utilizado diversas vezes. Ele é proveniente de uma grande produção de algodão – a fibra mais utilizada no Brasil – e de fibras sintéticas, oriundas do petróleo. Para além dos impactos ambientais que simboliza, Mariana vê como uma forma de desperdício. “E se ela realmente é um desperdício, as empresas que utilizam esse material têm realmente um negócio. Isso gera dinheiro.”

Além disso, outro desafio a ser enfrentado está ligado à logística de coleta e transporte dos resíduos e seu alto custo. Considerando o baixo valor do retalho e do produto final da reciclagem, transportar o material de locais distantes pode acabar com qualquer lucro proveniente do processo – que, por sua vez, é custoso por envolver mão de obra, energia, maquinário. “Então a gente emperra no gargalo que é a logística; pegar esse resíduo e fazer ele chegar nessas empresas, ser reciclado e ter um valor competitivo para o mercado.”

Para Mariana, é importante que haja uma maior organização de pontos de coletas de resíduos têxteis. “As pessoas já sabem que esses produtos e vestuários podem ser reciclados, mas elas não têm para onde levar”, afirma a pesquisadora. Com isso, ela acredita que outras indústrias recicladoras surgiriam, fomentando esse mercado. “Hoje esse número é limitado, justamente pela falta de estruturação da coleta.”

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