Papel da CGU na criação da Lei de Acesso à Informação é objeto de pesquisa da USP

Imagem: Reprodução

Em 2012, entrou em vigor a Lei de Acesso à Informação (LAI), Lei nº 12.527/2011. Responsável por regulamentar o acesso a informações públicas, a lei cria mecanismos para que qualquer pessoa – física ou jurídica – possa fazê-lo, sem a necessidade de identificar o motivo. Em 2016, uma pesquisa da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP) analisou o processo de criação dessa lei no Brasil, identificando os principais atores envolvidos nele e seus interesses na pauta do direito à informação. O estudo foi intitulado A formação da agenda da Lei de Acesso à Informação Pública no Brasil: o papel do Executivo no momento da burocracia pública brasileira.

Desenvolvida pela mestre em políticas públicas Tayara Calina Pereira, a dissertação teve como uma de suas principais linhas condutoras o envolvimento ativo do governo na formação da agenda da LAI, mais especificamente da Controladoria-Geral da União (CGU) – uma particularidade do Brasil, quando comparado a outras nações. Segundo ela, o país não foi o único no qual o governo teve interesse na pauta, já que isso também ocorreu no México e no Chile, por exemplo. “Mas o caso do Brasil é um dos que mais se destacou por ser um órgão de controle interno que conseguiu ter esse poder de agenda”, conta.

De acordo com o trabalho de Tayara, um dos motivos pelos quais a CGU propôs a agenda da LAI foi a garantia de abertura de documentos públicos que ela proporcionaria ao órgão. Dessa forma, seria possível que tivessem acesso a documentos e informações que contribuiriam muito para o controle interno que se propõe a fazer. Tayara afirma, nesse sentido, que a CGU possuía um corpo burocrático bastante coeso e engajado na causa. “São todos concursados, então não são funcionários que ficam à mercê da troca de governo”, diz. “É óbvio que, mudando quem está na chefia, no cargo de Ministro, pode-se fortalecer ou enfraquecer o próprio papel do órgão. Mas, os funcionários em si não correm o risco de ficarem desempregados.”

A pesquisadora conta que o engajamento desses membros da CGU está ligado a ideia de que precisavam fomentar uma política mais séria de combate à corrupção. Considerando que já existia a Lei de Responsabilidade Fiscal, segundo Tayara, a Lei de Acesso à Informação viria somar no sentido de dar um respaldo perene ao órgão para a realização desse trabalho. “A partir de então, criou-se uma burocracia que tinha legitimidade para investigar a burocracia do governo”, afirma.

O processo de criação da LAI foi colocado como pauta de atenção pelos funcionários de alto escalão da CGU, envolvidos no projeto. O envolvimento dessas figuras no processo permitiu um maior acesso à ex-presidente Dilma pelo órgão. Ela uma das maiores articuladoras para a aprovação da lei, de acordo com Tayara. “Para Dilma, a pauta do direito à memória era muito importante. Era a agenda que ia permitir que a Comissão da Verdade abrisse vários documentos militares importantes que ninguém tinha acesso.”

Além da ex-presidente, houve outros atores na criação da LAI que foram identificados pelo estudo – já que um de seus objetivos era compreender as disputas de interesses envolvidas no processo. Da parte da sociedade civil, a Transparência Brasil e a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) atuaram em prol do livre acesso às informações governamentais. No caso da Abraji, mais especificamente, havia também um esforço no sentido de proteger jornalistas a partir da uma apuração legítima de dados do governo que a LAI propiciaria. Já do governo, para além da CGU, Tayara cita a resistência de alguns setores do Congresso, como o senador Fernando Collor e o senador José Sarney. A pesquisadora aponta que a posição contrária desses setores à aprovação estavam ligadas à publicação de documentos e, de forma velada, à possibilidade de estímulo a perguntas que poderiam trazer casos de corrupção à tona. O Itamaraty também se mostrou contra a criação da LAI por questões relacionadas a acordos internacionais sigilosos, que eram considerados sensíveis pelo Ministério.

Para chegar aos resultados, Tayara fez uma análise extensa de documentos públicos, buscando em bibliotecas e sites como o do Congresso, da CGU, do Parlamento, da Presidência – além de utilizar a própria LAI para compor a base documental de sua pesquisa. Além disso, ela entrevistou o deputado Reginaldo Lopes – a primeira pessoa a propor a criação da lei –; Vânia Vieira, que foi da CGU e trabalhou na equipe técnica de construção da LAI; o jornalista Fernando Rodrigues, uma das primeiras pessoas de fora do governo a levantar essa bandeira, como conta Tayara; Cláudio Abramo, da Transparência Brasil; Paula Martins, da Artigo 19, que falou sobre a atuação bastante pontual da sociedade civil no processo; entre outros.

“Dentro do governo, a questão do acesso à informação não é nova. No Brasil, você sempre teve leis que mais serviam para cercear a informação pública do que para abri-la”, afirma Tayara. Ela aponta que, mesmo com o regime democrático e o direito ao acesso à informação garantido na Constituição, isso nunca havia sido regulamentado. “Até você conseguir invocar esse direito, você já tinha passado por diversas instâncias, somente vendo resultado meses depois. Então tinha muito interesse em deixar essas informações fechadas.”

Segundo a pesquisadora, mesmo após a LAI, o governo é ainda muito deficitário no registro das informações, seja por questões de infraestrutura, seja por um receio das interpretações que podem surgir dos dados. “Eles ainda não têm essa cultura de prover a informação, entendendo que é direito da pessoa entendê-la e relê-la”, diz, ressaltando a importância da assessoria de comunicação na disputa de significados da informação.

No ano de 2017, a Lei de Acesso à Informação completa cinco anos, desde o seu decreto. Depois desse tempo, porém, Tayara aponta o maior contato da população com a legislação: “As pessoas têm, pela primeira vez, a noção de que elas têm direito a ter essas informações. Fala-se mais sobre utilizar canais para acessar a informações do Estado.” E ela acredita ser este um grande passo na mudança de cultura. “Aos poucos, as pessoas vão começar a pressionar e o Estado, tendo que responder a isso, começa também a melhorar a gestão da informação.”

 

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