Advogado propõe novo modelo para punição de crimes empresariais

Através de pesquisa interdisciplinar, mestrando defende estrutura para condenar criminosos sem prejudicar a economia do país

Manifestação realizada em Brasília (DF). Foto: Pedro França/Agência Senado.

A legislação de crimes empresariais ganhou grande visibilidade no Brasil após investigações a exemplo da operação Lava Jato, em que nomes como Odebrecht, Petrobras e OAS foram indicados como envolvidos no maior caso de corrupção do país. Mesmo com a lei anticorrupção, sancionada em 2013, o poder judiciário ainda apresenta falhas para punir as pessoas jurídicas.

O mestrando Pedro Simões, da Faculdade de Direito (FD) da USP, percebeu a defasagem da Justiça logo no segundo ano da graduação na instituição. Após começar a trabalhar no escritório da professora Helena Lobo, teve contato com direito penal empresarial em diversos tipos de crime e logo constatou: “A discussão em todos os espaços advogados, promotores e até juízes girava em torno da responsabilidade penal da pessoa jurídica, o que considero deslocado da realidade empresarial, porque além de não ser efetiva, viola muitos direitos e garantias individuais ”.

No Brasil, não há responsabilidade da pessoa jurídica para crimes como de corrupção ou cartel. Ou seja, o empresário é quem responde pelo processo, ainda que a denúncia não consiga lhe atribuir uma conduta específica, o que pode violar muitas garantias de um indivíduo, de acordo com Simões. “No direito penal tradicional, para condenar alguém por homicídio, é necessário provar que a pessoa ou pegou uma arma e matou alguém com a própria mão, ou mandou matar ou tinha o dever de cuidar da vítima, teve a capacidade de salvá-la e preferiu não socorrer o que pode ser a situação de um salva-vidas, por exemplo”, conta.

“Em todos os casos, tenho que ligar o acusado ao resultado. No direito penal empresarial, o que estamos fazendo pode ser descrito da seguinte maneira: se o indivíduo era chefe da área, então tinha consciência dos crimes que estavam ocorrendo, o que não condiz com a realidade”, explicou Simões.

O mestrando, então, defende um novo formato de punição em que, após ser julgada por um crime, o Estado poderia tirar o controle da empresa, vendendo a quantidade majoritária de ações com poder de voto. “A Lava-Jato foi muito prejudicial para o setor de construção civil da economia. Com essa solução, você gera um choque de gestão em uma situação que foge do direito societário regular, mas mantém a atividade empresarial”, garante Pedro. “Muitas vezes, quando é feita uma grande transformação dentro da empresa, em que as chefias são presas, e contratações e licitações são proibidas, temos um impacto direto na economia.”

A ideia, explorada na dissertação do mestrando, que ainda não foi defendida, já foi pesquisada por nomes como o do professor emérito da FD, Fábio Konder Comparato. Simões defende que o juiz criminal deveria acompanhar todo o processo: “Ele decidirá se houve crime ou não e terá que aplicar a pena, porque já estaria inserido em todos os fatos que aconteceram e na lógica daquele mercado também”.

Na prática, o julgamento de crimes empresariais aconteceriam da seguinte maneira: quando é possível identificar o autor da infração, ele seria julgado dentro da responsabilidade individual, através do direito penal tradicional, em que teria todos os seus direitos e garantias. E quando houver a materialidade do crime, ou seja, há provas, mas não é possível identificar quem foi o responsável, é possível vender o controle da empresa (o que representa mais do que 50% das ações com poder de voto, normalmente) em um leilão para novos acionistas.

Interdisciplinaridade

A dissertação de Pedro Simões possui uma característica singular: sua introdução é iniciada pelo quadro “Number 19” de Jackson Pollock. A escolha foi para representar a interdisciplinaridade da pesquisa. “Faço uma dissertação que tem um pé em direito penal e outro em empresarial, e estou usando muitos elementos da geometria fractal para fazer essa ligação da economia, tecnologia e da semiótica”, explica.

O quadro tenta mostrar a convergência entre a matemática fractal e as artes. A ideia é apresentar como há padrões de pensamento que se repetem dentro de cada área do conhecimento e assim, o direito empresarial pode dialogar com o direito penal, o que forma a base da proposta de julgamento.

Quadro “Number 19” (1948) de Jackson Pollock. (Reprodução/Divulgação)

Lei anticorrupção

A lei anticorrupção, sancionada em agosto de 2013, pela presidenta Dilma Rousseff, representou um marco para o julgamento dos crimes empresariais. Apesar dos avanços na legislação, que especificaram melhor como essas infrações deveriam ser julgadas, ainda há uma grande discrepância com a realidade, de acordo com o pesquisador. “A lei anticorrupção é muito falha e criou um sistema, em que você tem muito cacique para pouco índio, ou seja, muitos órgãos diferentes podem intervir em um mesmo caso. Há a sanção administrativa que pode ser aplicada pelo próprio ente ou pelo órgão da controladoria, se houver. Há uma esfera cível, que pode ser movida pelo Ministério Público, mas também tem uma outra lei, que é a de improbidade administrativa, por exemplo”, explica.

Apesar das falhas, Simões considera positiva as discussões levantadas pela lei:  “Temos que falar e discutir a corrupção. Precisamos entender como ela funciona e quem ela beneficia, para pensar uma nova estratégia de como atacá-la.”

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*