Histórias de jornalistas mostram a diversidade do trabalho em agências de notícias

Em palestra, comunicadoras compartilham experiências pessoais e coletivas das mais diferentes instituições

Noêmia Lopes, Verónica Goyzueta e Fernanda de Biagio. Foto: Lucas Almeida

A peruana Verónica Goyzueta é do tempo em que dividir o celular com um colega de trabalho por falta de aparelhos, ou pegar longas filas no telefone público para conseguir entrevistar uma fonte eram coisas comuns no cotidiano dos repórteres dentro das agências de notícias. Nada comparado à realidade de hoje. “A gente não está mais falando de uma agência de notícias comum. Poderíamos chamar de ‘empresas de tecnologia’”, comenta.

Assim como ela, Fernanda de Biagio também sabe muito bem o que é lidar com a exigente carga de trabalho nas agências. Trabalhar como correspondente, sem uma redação física e sendo dona de sua própria pauta, exigiu disciplina e criatividade da jornalista. Noêmia Lopes, por sua vez, é exemplo de que os caminhos trilhados no jornalismo podem gerar grandes paixões pessoais.

As jornalistas estiveram presentes na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP para conversar e compartilhar experiências com estudantes de jornalismo sobre a temática. A palestra compõe o ciclo de eventos em comemoração ao cinquentenário da Agência Universitária de Notícias (AUN), veículo produzido pelos alunos de jornalismo da instituição, que nasceu com o objetivo de ser um canal de comunicação entre a produção científica e cultural da USP e a sociedade brasileira.

Veterana nas agências

As variadas experiências acumuladas ao longo de mais de vinte anos de carreira permitem a Verónica Goyzueta expor comentários, impressões e histórias do universo das agências de notícias. Ao passo em que os estudantes vivem sua primeira experiência nas agências, a jornalista tem vasta história no ramo. Formada na Universidade de Brasília (UnB) em 1996, deu início à vivência nas redações cedo.

Ainda no segundo ano da graduação, veio seu primeiro estágio, na Notimex, agência mexicana de notícias. Lá, escreveu sobre os mais variados temas: cultura, política e economia. Depois disso, assim que se formou, também trabalhou na Dow Jones Newswires, agência estadunidense ligada ao centenário jornal Wall Street Journal, onde fez coberturas sobre as principais privatizações em solo brasileiro à época do governo de Fernando Henrique Cardoso.

Também foi correspondente da Mergermarket – Financial Times, trabalhando na cobertura de fusões e aquisições no Brasil e na América Latina. Hoje, trabalha como freelancer e é correspondente do jornal espanhol ABC. Sobre as características das agências, tem muito a comentar.

“As agências sobrevivem de vender os seus conteúdos para vários jornais. Na verdade, são um modelo de negócios. Estão muito ligadas ao capitalismo. Não à toa, as agências do jornalismo econômico são as que mais crescem”, expõe a jornalista.

À semelhança das colegas presentes na palestra, ela atribui muitas das práticas do jornalismo, como a objetividade e a estrutura piramidal, às agências. E revela: das experiências mais bonitas que viveu ao longo da carreira, falar com o povo, dos mais variados extremos das regiões brasileiras, está em primeiro lugar — à frente até de entrevistas com personagens como o arquiteto Oscar Niemeyer e o ex-presidente Lula.

Biagio: “A bagagem que eu levo das agências de notícias é um diferencial para mim até hoje”. Foto: Lucas Almeida

Experiência fundamental

“Sou um pouco da exceção do mercado.” É assim que a jornalista Fernanda de Biagio começa se descrevendo. Ao contrário do caminho que segue parte considerável dos profissionais de jornalismo, que começam a carreira em uma redação para depois migrar para a comunicação corporativa, Biagio fez o inverso.

Formada pela Faculdade Cásper Líbero, a jornalista começou estagiando na comunicação de uma indústria química. “Foi lá que comecei a entender o mundo da comunicação e o valor de uma informação exclusiva”, comenta. Depois, trabalhou com assessoria de imprensa e fez um intercâmbio para os Estados Unidos por dois anos, experiência que fez grande diferença para sua atuação na profissão.

Se na época Biagio vendia aos jornais pautas da empresa para a qual trabalhava, tempos depois era ela que estava indo atrás delas. Ao retornar para o Brasil, começou a trabalhar como correspondente para a Business News Americas, com sede na capital chilena, Santiago. Ao longo dos três anos que passou na agência, cobriu áreas como a de petroquímicos e mineração.

Como característico das agências, a meta de matérias era alta: seis a serem entregues por dia, sendo pelo menos duas com conteúdo exclusivo. Assim como a jornalista Verónica Goyzueta, ela concorda: as agências de notícias apresentam a demanda por informações exclusivas, os chamados “furos”, diariamente. Mas, faz uma ressalva: “O viés da matéria pode ser exclusivo também. Não necessariamente só o furo de reportagem.”

Também considera fundamental um jornalista que “ponha a cara na rua” à procura de suas pautas e fontes. Como correspondente, aprendeu isso na prática. “Você trabalha de forma muito individual, autônoma. Quem fazia a minha pauta, sabia quais matérias iam sair, era eu.”

A experiência em agências, conta a jornalista, tem sido fundamental para toda a sua trajetória. Depois da passagem pela Business News Americas, Biagio trabalhou em uma editora e, hoje, retornou à comunicação corporativa.

Noêmia Lopes: “Buscar ‘válvulas de escape’, no meio do caminho, é muito importante”. Foto: Lucas Almeida

Gosto pela ciência

Diferente das companheiras de palestra, a jornalista Noêmia Lopes tem sua experiência em uma agência de notícias pública, voltada para a divulgação de conteúdo científico enquanto uma função social.

Hoje jornalista na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), ela começou trabalhando como freelancer na agência da instituição, até que foi contratada. “Além da sociedade, as reportagens servem tanto aos jornais quanto à comunidade acadêmica, como forma de comunicação dos resultados de pesquisa”, explica.

Ao contrário da divulgação cotidiana de ciência nos grandes jornais, nos quais, muitas vezes, apenas os resultados são supervalorizados, o trabalho na agência Fapesp, conta Lopes, permite a exposição detalhada de conclusões e, também, dos processos que nortearam o pesquisador, valorizando seu trabalho e a produção para a sociedade.

Também formada pela Faculdade Cásper Líbero, estagiou na Editora Abril e trabalhou em veículos como a Revista Recreio e a Nova Escola, também tendo colaborado para portais como o Guia do Estudante.

O trabalho com a ciência tem influência direta em sua vida. A jornalista defende que, ao longo da trajetória profissional, é importante encontrar válvulas de escape às tarefas cotidianas. A sua acabou sendo o mestrado, que cursa na Unicamp, no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, referência no trabalho contemporâneo com a produção de cultura científica.

Em comum, além de parte das trajetórias, as jornalistas defendem: nas agências de notícias, as pautas borbulham, o trabalho é massivo, bem como a disciplina e a exigência da precisão com a informação. O aprendizado, no mesmo compasso, é enorme.

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