Informações em objetos digitais desafiam fronteiras da pesquisa em jornalismo

Pesquisadoras defendem que dispositivos devem ser entendidos como atores no processo de comunicação

O envolvimento do público com a informação em meios digitais dá novas dimensões ao jornalismo, mas não altera seus fundamentos, diz Saad. Foto: remmerysilke em VisualHunt / CC BY

É recorrente a conversa sobre como o jornalismo vem sendo afetado pelas transformações dos meios de comunicação. Muitas são as novas formas de produção e distribuição de conteúdo, que abrem novas relações do público leitor com o produto jornalístico. Mas como a pesquisa em jornalismo deve se portar diante deste cenário? O que cabe a ela investigar?

É esta questão fundamental que as pesquisadoras Elisabeth Saad e Stefanie Carlan decidem enfrentar em seu texto “Proposta teórico-metodológica para a pesquisa de objetos no jornalismo”, publicado na última edição da revista Matrizes (volume 11, nº2, 2017).

“Hoje o objeto no jornalismo é a informação num dispositivo móvel”, afirma Saad. Em entrevista à Agência Universitária de Notícias, a professora e pesquisadora da Escola de Comunicação e Artes da USP (ECA) apresenta algumas das reflexões e propostas deste novo olhar.

Saad destaca que é preciso deixar de lado separações rígidas entre o digital e o não-digital, entre mundo offline e online. Além disso, considera que as vertentes tradicionais de pesquisa no jornalismo, como gênero, narrativa, audiência, modelo de negócio, deveriam levar em conta que são transformadas pelos objetos digitais onde a informação circula.

Fronteiras borradas

Para Saad, os meios digitais não são apenas plataformas de distribuição; eles trazem possibilidades narrativas próprias. Foto: Raphael Concli

A presença do digital que se observa no aspecto técnico da produção jornalística, também acontece na sociedade como um todo. “Então eu não posso produzir informações separadas para esses dois mundos”, afirma Saad. A busca por fatos, elemento essencial do trabalho jornalístico, se dá com os meios e recursos que os processos produtivos de informação fornecem; e estes recursos incluem o digital, aponta. As fronteiras entre digital e não-digital na produção, circulação e consumo de informação encontram-se borradas.

Para as pesquisadoras, é preciso pensar os meios e objetos digitais onde a informação circula também como agentes na experiência de comunicação. Estes aparelhos, mais do que apenas meios, atuam de forma complexa no envolvimento do público com o conteúdo jornalístico. Além da notícia, eles oferecem um contexto de interação – que envolve comentários em tempo real, compartilhamento do conteúdo – e um espaço de produção de novas formas narrativas.   

Não se trata de dizer que os objetos determinam como o jornalismo é produzido ou consumido, alertam as pesquisadoras, mas sim de reconhecer que participam e interferem ativamente no processo de mediação da informação. Neste sentido, As vertentes tradicionais de pesquisa no jornalismo, como gênero, narrativa, audiência, modelo de negócio, “deveriam levar em conta que são transformadas pelos objetos digitais”, defende a professora.

Rede de atores

Ainda que no Brasil a televisão permaneça como o veículo de mídia mais utilizado, o acesso à internet tem crescido no país, segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia de 2016, publicada pela Secretaria de Comunicação Social do Governo Federal. Pouco mais da metade da população está na rede; e cerca de 1 em cada 4 brasileiros que acessa a internet utiliza uma conexão móvel 3G ou 4G, segundo mostra a Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos domicílios brasileiros, amplo levantamento feito pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br).

Com a disseminação da internet e de dispositivos variados para seu uso, os caminhos que levam o leitor ao produto jornalístico se ampliaram. Como afirma a professora Saad, “é preciso estar onde está o público” e isso implica estar visível de forma adequada. “A adesão de público consolida-se pela fidelização através das plataformas sociais”, complementa.

Este cenário mostra que os modelos de negócio e apresentação da informação estão em constante transformação, bem como a postura das audiências. Um dos fatores recentes destas mudanças, por exemplo, é a decadência da homepage dos jornais como forma de acesso à notícia. Cada vez mais as redes sociais tem sido o caminho para se chegar à notícia, destaca Saad.

Todos os atores desta rede – produtores de informação, objetos digitais, plataformas de disseminação, público – tem seu papel e podem ser pensados como objeto da pesquisa jornalística nos seus múltiplos âmbitos.

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