Igreja Universal e lulismo influenciaram votos de evangélicos em 2014

Estudo de caso feito na periferia de SP revela que, enquanto religião influenciou para o legislativo, confiança no projeto do PT foi central para eleição presidencial

Cavaletes de políticos são utilizados como abrigo para pessoas em situação de rua em Piraporinha, zona sul de São Paulo (Foto: Caio Marcondes)

Nas eleições gerais de 2014, que consolidaram Dilma Rousseff (PT) em seu segundo mandato à frente da Presidência da República e renovaram parte dos representantes legislativos do país, os eleitores evangélicos sofreram dupla influência na hora de depositar seus votos: a crença na religião e, também, fatores sócio-econômicos, que os levaram a apostar novamente no Partido dos Trabalhadores como alternativa.

Enquanto a religião teve peso significativo na decisão para o Legislativo, no qual os fiéis, quase que em sua totalidade, votaram na indicação de deputados estaduais e federais dada pelas igrejas; as questões de renda foram centrais na decisão para o Executivo.

São a essas considerações que chega o estudo de caso realizado pelo pesquisador Caio Marcondes, que explorou o universo do templo da Igreja Universal do Reino de Deus no bairro de Piraporinha, periferia da zona sul da cidade de São Paulo.

O trabalho, que contou com a orientação do cientista político André Singer, se tornou a dissertação de mestrado A cruz e o lulismo: um estudo de caso na periferia de São Paulo com fiéis da Igreja Universal nas eleições de 2014, defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

O interesse de Marcondes na pesquisa partiu das eleições de 2010, quando a religião ganhou palco nas campanhas eleitorais e no debate político. “Meu interesse já nasceu naquele pleito e quis investigar, nas eleições de 2014, qual era o peso real da religião na decisão do voto”, explica.

Ele queria entender se os fatores morais religiosos constituiriam uma contradição para que os eleitores não apoiassem o projeto consolidado em torno do PT que, na época, já somava 12 anos à frente do governo brasileiro. A influência da religião para o pleito legislativo ao mesmo passo em que o projeto do lulismo influenciou o executivo revela que os fiéis não viam isso como um conflito.

“É uma população que claramente foi beneficiada pelo lulismo, mas, será que o conservadorismo deles poderia ser um entrave para apoiar o PT nas eleições presidenciais? Parte da minha pesquisa foi justamente para tentar ver se havia essa contradição e como que eles conseguiam resolvê-la”, conta o pesquisador.

Perfil dos moradores

A escolha do bairro de Piraporinha para o estudo de caso veio após a busca por regiões onde o lulismo tinha se consolidado vitorioso e era forte tradicionalmente — contrastando com o mapa geral da cidade de São Paulo, onde a candidata do partido, Dilma Rousseff, perdia nas votações.

Os dados disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e compilados no trabalho confirmaram isso. Nas eleições de 2010, por exemplo, o eleitorado do bairro depositou 59,20% de seus votos no PT no primeiro turno e 69,58% no segundo. Nas eleições de 2006, quando o candidato ainda era o ex-presidente Lula, 52,63% dos votos de Piraporinha no primeiro turno foram para ele e, no segundo, esse percentual se elevou para 65,85%.

A partir dessa confirmação e com o objetivo de entender como que a campanha eleitoral era trabalhada no local, Marcondes passou a frequentar os cultos e eventos organizados pelos fiéis da Igreja Universal durante as eleições de 2014, indo de duas a quatro vezes por semana ao local. Neste tempo, realizou conversas com dezenas de moradores do bairro, que pertencem à classe trabalhadora, com renda familiar em torno de dois a cinco salários mínimos mensais.

O processo de pesquisa culminou em entrevistas aprofundadas com 12 dos fiéis. Destes, 11 votaram nos candidatos à deputado estadual e federal indicados pela igreja. A única exceção foi a de uma recente convertida, que votou nos irmãos Milton Leite Filho para o âmbito estadual e Alexandre Leite para o âmbito federal, candidatos do Democratas (DEM) e cujo curral eleitoral reside em Piraporinha.

Praça em Piraporinha completamente tomada por cavaletes dos candidatos Milton Leite Filho (DEM), e seu irmão, Alexandre Leite (DEM) (Foto: Caio Marcondes)

Ao final das eleições de 2014, os dados se confirmaram novamente: 42,49% do eleitorado de Piraporinha votou em Dilma no primeiro turno e, no segundo, quando a candidata do PT disputava com o tucano Aécio Neves, o número passa para 57,33%.

Lulismo e a religião

O pesquisador explica que, apesar de ser ilegal fazer campanhas políticas em igrejas, essa é uma prática comum nos templos espalhados pelo país. “Havia um desinteresse forte pela política e a igreja realizava um papel muito grande de politização das pessoas”, diz. No geral, essas instituições trabalham mais as eleições para o legislativo do que para ao executivo.

No legislativo, as questões morais são pautadas com força pelos pastores. Marcondes conta que a legalização das drogas e a educação sexual nas escolas foram temáticas testemunhadas por ele durante o estudo etnográfico. “Conversando com os fiéis, geralmente eles sabem muito bem o que os deputados fazem: formular leis e defender interesses. Com base nisso, tentam justificar a necessidade de eleger representantes da igreja para o Congresso, para defender os seus interesses.”

Entrada da Igreja Universal no bairro de Piraporinha (Foto: Caio Marcondes)

“Na eleição presidencial isso praticamente desaparece. O que surge com força são justamente as questões sócio-econômicas”, explica o pesquisador. Os temas centrais passam a ser questões mais diretamente envolvidas com a vida do povo, como economia, emprego, segurança, saúde e educação.

“A sensação é que a igreja sabe que tem menos influência nesse voto [do executivo], então não insiste com tanta força, porque sabe que vai ter uma margem de manobra muito menor para influenciar os fiéis e também não quer entrar em conflito com eles”, sugere Marcondes.

No pleito executivo, com baixa importância dada pela igreja para instruir o voto de seus fiéis, o trabalho mostra que é possível notar um “lulismo enfraquecido” nestes eleitores. Ele define o lulismo como um projeto trazido pelo PT e iniciado pelo governo Lula, que tem dois alicerces básicos: as políticas de redução de pobreza e desigualdades e o não confronto com o capital.

Os fiéis do templo da Igreja Universal em Piraporinha, assim, mantinham um apoio majoritário ao PT, apesar da relação abalada por sentirem uma falta de resultados práticos do governo Dilma quando comparado às conquistas obtidas ao longo dos governo Lula — simbolizadas principalmente pelo Bolsa Família.

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