Juizados de São Paulo têm tratamento despadronizado aos crimes de ameaça

Para pesquisadora, melhor combate à violência psicológica contra mulher pode prevenir feminicídio

Manifestação contra a violência doméstica em São Paulo. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

O combate aos crimes de ameaça contra mulheres pode ser uma grande ferramenta para a prevenção de outros tipos de violência de gênero no futuro, incluindo o feminicídio. De acordo com a pesquisadora da Faculdade de Direito (FD) da USP, Fernanda Fernandes, a Justiça brasileira ainda apresenta falhas ao proteger as vítimas desse tipo de delito: “Se as políticas públicas e a Justiça conseguissem acolher e ouvir essas mulheres em situação de ameaça, muitas mortes poderiam ser evitadas”, defende.

Previsto no Código Penal, o crime de ameaça é definido como a promessa de causar mal injusto e grave à alguém, com pena que pode ir de detenção de um a seis meses ou multa. Dentro da Lei Maria da Penha, esse tipo de violência pode ser configurado como psicológica. “Ele pode ser uma carta, uma fala ou até um olhar. É muito difícil lidar com isso dentro do judiciário.  A mulher, muitas vezes, é a única testemunha da própria situação que ela está vivendo e, várias vezes, a palavra dela não é levada em consideração”, defende a pesquisadora.

A prática

Fernandes entrevistou profissionais da rede de atendimento às mulheres em situação de violência durante a realização da sua tese de doutorado, defendida em 2017, no Programa de Direitos Humanos da USP, vinculado à Faculdade de Direito. Além disso, tentou analisar processos de crimes de ameaça nos sete juizados da cidade de São Paulo, mas recebeu dados de apenas dois deles.

Durante a pesquisa, notou que não há um padrão definido para o tratamento desse tipo de crime: “Cada juizado funciona de um jeito e cada juiz governa a vara de uma maneira. Existe uma dificuldade de acesso aos dados e padronização deles muito grande. O poder judiciário não gosta de ser avaliado”. 

A pesquisadora ainda defende que muitas mulheres encontram dificuldade na hora de denunciar crimes de violência psicológica e a Justiça não está preparada para recebê-las de forma adequada. “Às vezes, as mulheres são desmotivadas a fazer um boletim de ocorrência nas próprias delegacias. E mesmo quando é aberto um processo na justiça, ele está descolado do mundo real, porque demora tanto para tramitar, que antes de ser finalizado, a mulher já resolveu a vida de outro jeito, ao se separar do agressor ou até mudando de cidade.”

Apesar da despadrozinação, Fernandes encontrou grandes iniciativas, como um juizado em que uma medida protetiva é emitida na hora em que a mulher relata o caso de ameaça. “Quando as mulheres denunciam, elas estão pedindo proteção do Estado. É o dever da Justiça promover isso e ela está muito alheia ao mundo das políticas públicas. Falta o envolvimento de promotores e juízes com as redes que atuam na defesa das mulheres.”

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