Repouso hospitalar deteriora funções musculoesqueléticas do corpo

Capacidade muscular prejudicada por imobilidade pode causar quedas, reinternação e óbito

Idosos são os mais afetados pelo repouso excessivo. Imagem: Pexels

As consequências do repouso hospitalar causado pela obtenção de uma doença podem ser mais abrangentes do que aquelas causadas pela própria enfermidade contraída. A imobilidade tem impacto direto no sistema muscular, independente da doença apresentada inicialmente e o número de comorbidades.

A afirmação é sustentada pela tese de Débora Martins, fisioterapeuta e especialista em Gerontologia. Segundo a pesquisa, os pacientes, principalmente idosos, que repousam excessivamente durante o período de internação, saem com sua força e independência motora debilitada, o que pode causar futuramente quedas, reinternações e, até mesmo, óbito.

Métodos e variáveis adotados na pesquisa

O repouso hospitalar, historicamente, é adotado como medida de recuperação do caso clínico do paciente. Desde meados do século XIX até atualmente é um padrão seguido durante as internações. Apesar da melhoria em relação à enfermidade, outros aspectos físicos e funcionais saem comprometidos.

A tese é apenas um apêndice de diversas variáveis coletadas pela pesquisadora e mais duas fisioterapeutas, Patrícia Harry Lavoura e Deisy Ferreira da Silva.

“Quando se está hospitalizado há privações de muitas coisas, as pessoas ficam mais deitadas, e como consequência perde-se força muscular, sensibilidade, noção de tempo e espaço, desenvolvendo alterações cognitivas. O período de hospitalização vai muito além do que apenas essa alteração no sistema músculoesquelético, que foi a parte do meu mestrado. Existem alterações de outros sistemas”, expõe a especialista.

A capacidade funcional (CPP) e a força muscular (FM) foram os aspectos considerados e analisados pelo trabalho, a fim de contabilizar os prejuízos causados à função do indivíduo em decorrência do repouso hospitalar. Para isso, foi feito um acompanhamento após um, três e seis meses com 120 pacientes do Hospital das Clínicas da USP.

A medição da CPP e FM é capaz de revelar a deterioração do sistema músculoesquelético. A capacidade funcional é calculada com um questionário, chamado Índice de Barthel, respondido pelo paciente de acordo com a sua percepção em executar tarefas diárias de forma independente: comer, andar, tomar banho, subir e descer uma escada, ou seja, ações cotidianas. Já a força muscular é medida de maneira objetiva através da dinamometria.

O Hospital das Clínicas foi o local escolhido para a prática da pesquisa, por ser, além do ambiente de trabalho de Débora, considerado um hospital de nível terciário – até quaternário – já que recebe pacientes com estados clínicos complexos.

“Eu queria conhecer melhor os pacientes que estavam internados no Hospital das Clínicas, e descobrir se o período de hospitalização era suficiente para causar uma alteração nestes sistemas”, revela a especialista sobre sua inspiração.

De acordo com o estudo, em um período médio de sete dias de internação, os pacientes saem com sua força muscular debilitada, mesmo que a capacidade funcional não tenha mostrado níveis de variações.

Quanto a isto, a pesquisadora explica, “na capacidade funcional a gente não encontrou muito impacto. Acreditamos que esse impacto não foi encontrado pelo questionário que a gente usou, pois o Índice de Barthel não é tão sensível em captar estas pequenas nuances quanto a independência do paciente. Já a força muscular, avaliada pela dinamometria, é uma medida bem prática e objetiva”.

Prejuízos pós-internação e fatores pré-internação

Para o estudo se tornar completo, não bastava apenas o acompanhamento durante a internação. Depois que o paciente recebia alta, era feito o acompanhamento por telefone depois de um, três e seis meses, para saber se ele tinha sofrido quedas, outra internação ou falecido. Apenas no primeiro mês houve 30 quedas e 22 reinternações, sendo 12,4% e 9,1% do total, respectivamente. Na marca de seis meses, o número subiu para 44 quedas e 29 reinternações. O total de óbitos durante o acompanhamento foi de 29 pessoas.

“A gente identificou que as quedas ocorrem e aumentam significativamente com o tempo de internação. Então, conforme acompanhamos, o número de quedas foi aumentando, e o mesmo aconteceu com o número de reinternações e óbitos, só que de quedas foi até mais significativo”, comenta a fisioterapeuta.

Os dados sobre a capacidade funcional e força muscular não são os únicos em que a profissional dedicou atenção. Com o estudo sociodemográfico feito durante a pesquisa, em que dados clínicos foram analisados, foi possível perceber que 38% dos pacientes participantes da pesquisa tinham histórico de queda prévia e 22% já haviam sido internados.

Sendo assim, de acordo com Débora Martins, “foi identificado que em relação às quedas, o fato de você ter uma queda prévia é um fator que pode determinar a ocorrência de queda futura. Então, se no dia da internação hospitalar for identificado que a pessoa tem histórico de queda prévia, já pode-se imaginar que, depois da internação e o impacto negativo que ela traz, é provável que ele caia de novo”, analisa a médica.

A pior consequência da queda é o ciclo vicioso que ela inicia. “Ela acaba sendo um ciclo negativo. A partir do momento que ele cai, pode ter repercussões, como uma fratura de fêmur, e se for um paciente com idade mais avançada, a fratura precisa ser tratada intrahospitalar, então esse idoso vai precisar ser internado para o tratamento”, explica a fisioterapeuta. A internação é acompanhada do repouso, que faz com que a força muscular e capacidade funcional se tornem debilitadas, o que aumenta o risco de outra queda e o retorno ao hospital, que debilitará ainda mais as funções musculares.

A implicação do trabalho é mostrar que o paciente precisa se movimentar. Por isso, é necessário repensar a questão do repouso, de que o indivíduo precisa ficar mais tempo na cama porque é mais seguro. A pessoa precisa se mexer desde o primeiro dia de internação.

“Não só a fisioterapia, entra também todo o trabalho de uma equipe de enfermagem, de médicos, de psicólogos, para estimular o paciente a sair da condição de repouso. Porque ele precisa sair da cama, andar e se exercitar para diminuir o impacto na condição musculoesquelética”, comenta Débora Martins.

 

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