Segurança alimentar: o desafio de garantir alimentos saudáveis para as futuras gerações

As perdas na produção, o uso do solo, o governo e o avanço da tecnologia são peças chaves nesse quebra-cabeças

A segurança alimentar é um desafio que envolve o agronegócio, o governo e a população. (Foto: Ecoosfera)

Cerca de 10 bilhões de pessoas no mundo até 2050. Essa é a previsão de crescimento populacional segundo o relatório Perspectivas da População Mundial: A Revisão de 2017, publicado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Só no Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que até 2030 haverá um crescimento de mais de 14 milhões de pessoas, fazendo com que a população do País chegue há cerca de 223 milhões de habitantes.

Diante desse cenário a pergunta que fica é: como garantir alimento para todas essas pessoas? Trata-se de um desafio mundial, mas no qual o Brasil tem um papel fundamental devido a sua economia exportadora fortemente dependente da agricultura. E o que se discute agora é o que se deve fazer para que uma alimentação adequada, sustentável e permanente seja garantida.

Espaço pequeno, grande capacidade produtiva

Que a agricultura é a alma do negócio brasileiro, todo mundo sabe. As commodities agrícolas representam a maior parte das exportações do país atualmente, com destaque especial para a soja. No entanto, isso não se reflete no uso do solo no Brasil.

Uma porcentagem baixa do solo do país é usada pela agricultura. (Fonte da imagem: site da Embrapa)

Cerca de 30% da terra é ocupada por propriedades rurais, de acordo com dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa. Entretanto, quando se analisa apenas a parte ocupada por lavouras, essa porcentagem chega apenas a 9% — o que pode ser considerado pouco quando se observa a importância do setor para a economia e a urgência de uma produção maior de alimentos saudáveis. Mas não necessariamente isso configura um problema.

Para Fabrício Natal, diretor de engenharia da AGCO, empresa norte-americana de desenvolvimento de equipamentos agrícolas, o problema é como esses 9% são usados. “Temos uma grande quantidade de solo agricultável hoje no Brasil, mas que possui uma produtividade muito baixa. Temos um potencial gigantesco para explorar e aumentar a produtividade, e não precisaríamos expandir o uso da terra se quiséssemos dobrar a capacidade produtiva dela”, comenta.

Sendo assim, para aumentar a quantidade de alimentos produzidos no país, não seria necessário apelar para a expansão do espaço agrícola. O avanço tecnológico tem feito esse papel. As cada vez mais modernas máquinas têm sido usadas para aumentar a produtividade do solo brasileiro.

Monitoramento de perda em colheitadeiras, localização de máquinas por satélite e sistemas sensoriais para análise do solo são exemplos de desenvolvimentos na parte eletrônica desse maquinário que tem auxiliado os agricultores a atingirem sua capacidade máxima de produção. “Graças a essa tecnologia, é possível planejar melhor a plantação porque as máquinas têm sensores que montam uma receita agronômica diferente para cada uma das regiões de uma propriedade”, diz o engenheiro.

No entanto, o Brasil também enfrenta um problema nesse aspecto: o acesso a essas máquinas. “Temos agricultores muito desenvolvidos que trabalham com maquinário de última geração, mas a gente ainda possui produtores de médio e pequeno porte que continuam usando formas rudimentares”. Tal manejo envolve procedimentos considerados ultrapassados e que, muitas vezes, causam a perda de parte da produção agrícola — o que também é um aspecto importante para se estudar quando falamos de combater a insegurança alimentar.

O desperdício de comida

O processo de produção de um alimento naturalmente enfrenta perdas, principalmente quando se usa técnicas antigas. É comum que parte de uma safra seja perdida devido a problemas durante a plantação, a colheita ou a armazenagem. No entanto, reduzi-la é essencial para maximizar a quantidade de alimentos produzidos.

Uma das partes do processo produtivo que mais enfrenta problemas é a armazenagem. O país não tem a estrutura necessária para fazer uma estocagem que seja condizente com a safra produzida. “Muitas vezes, no armazenamento de soja, uma máquina junta uma quantidade em um morro e apenas jogam uma lona por cima. Está ocorrendo uma perda gigantesca ali, porque aquele material apodrece por estar sendo guardado de forma incorreta”, explica Fabrício.

Entretanto, a capacidade de armazenamento do país vem crescendo nos últimos anos, apesar de ser a passos curtos. Segundo dados do IBGE, a capacidade de armazenagem do Brasil cresceu 0,9% entre o primeiro e o segundo semestre de 2016. Além disso, ao analisarmos dados do segundo semestre de 2016 e do primeiro de 2017, é perceptível que a capacidade de armazenamento em silos cresceu em 2,4%.

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) no Brasil, todo ano são perdidas 1,3 bilhão de toneladas de alimentos ao longo das cadeias produtivas. Ou seja, 30% de toda a comida produzida por ano no planeta. (Foto: EBC)

Agronegócio e política precisam andar lado a lado

Para Flávia Mori Sarti, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) na área de avaliação econômica de políticas públicas de saúde, alimentação e nutrição, a segurança alimentar é multidimensional. Para além do aspecto tecnológico, a professora aponta como o assunto também envolve questões culturais, de saúde e, principalmente, de política. “A segurança alimentar está inserida em um contexto altamente dependente de situação sócio-econômica, nível educacional e também daquilo que o próprio governo permite que chegue às pessoas”, explica.

Sendo assim, apenas maximizar a produção de alimentos e criar estratégias para evitar a perda de produtos não é o suficiente para garantir a segurança alimentar. O acesso de produtores agrícolas a máquinas de qualidade e da população a alimentos saudáveis são outras questões essenciais.

No Brasil, já existem programas que visam proporcionar o direito humano a uma alimentação adequada. O Sisan, Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, criado pela Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), é um dos mais conhecidos e é responsável pela realização de ações que promovam uma interação entre sociedade e governo em busca de uma melhoria no acesso a alimentos.

A Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan), responsável pela consolidação do Sisan, executa programas importantes para a garantia de comida, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Nele, alimentos produzidos por agricultores familiares são adquiridos pelo governo para a formação de estoques estratégicos e distribuição à população mais pobre.

Além disso, para garantir que esses pequenos e médios produtores aumentem a produtividade de suas terras, também existem programas que visam tornar as máquinas agrícolas modernas mais acessíveis. Esse é o caso do Mais Alimentos, programa de financiamento do governo federal para agricultores familiares. “É possível observar como a produtividade das pequenas fazendas aumenta quando as pessoas tem acesso a suas primeiras máquinas”, diz Fabrício.

Sendo assim, muito já foi feito, mas também ainda falta muito a se fazer. Apesar dos políticas públicas já existentes e que visam solucionar o problema do acesso aos alimentos e a necessidade de maior produtividade, as perdas durante o processo de armazenamento da produção continua sendo um assunto importante, mas que não tem tido a devido atenção por parte dos governos.

“Além das políticas públicas voltadas para a produção de alimentos seguros, outras ações adicionais deveriam ser feitas para reduzir o desperdício de alimento em todas as etapas de produção e distribuição”, comenta Flavia. Além disso, para a pesquisadora, se preocupar com essa perda também é papel das empresas, corporações e dos próprios produtores.

Não serve qualquer tipo de alimento

Depois de toda essa discussão sobre ampliar a produção de alimentos, uma questão ainda fica: como garantir que eles sejam saudáveis? Este é outro desafio dentro da segurança alimentar.

O agronegócio muitas vezes é criticado pelo uso de agrotóxicos e outras tecnologias durante a produção de alimentos, as quais visam atingir a capacidade máxima de produção, mas que dependendo da quantidade e frequência que são utilizadas, podem ser prejudiciais para a saúde humana.

Frente a isso, a agricultura orgânica é colocada como uma solução para garantir uma alimentação mais saudável. Entretanto, é importante que se questione até que ponto, de fato, a agricultura orgânica é melhor.

Por se tratar de um manejo mais rudimentar e que utiliza fertilizantes orgânicos, tal tipo de agricultura não consegue garantir alimentos em quantidade suficiente. Sem contar, ainda, com a falta de acesso a tal produção, que na maioria das vezes é vendida por preços que não condizem com a renda média da população. “Quando se fala de produzir somente orgânico, você está falando de excluir pessoas do consumo de alimentos em nível de segurança alimentar. E normalmente quem é excluído são as pessoas mais pobres”, comenta Flávia.

Sendo assim, de modo geral, a melhor solução para reduzir a insegurança alimentar envolve focar no investimento de tecnologia e em políticas públicas de incentivo à alimentação saudável. Para Flávia, esse estímulo precisaria vir principalmente de políticas educacionais. “A população precisa ter uma educação melhor para poder escolher a melhor alimentação para si mesmo”, diz.

Já para Fabrício, o governo também precisa se planejar para saber lidar com o crescimento populacional. “A população mundial cresce em um ritmo bem mais acelerado do que o investimento em tecnologia e até a própria capacidade dos governos de se planejarem para essa segurança alimentar”, diz. Por isso, é essencial que os programas continuem investindo no desenvolvimento técnico dos produtores. Até porque, “sem essas tecnologias, o mundo morreria de fome”.

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