Associação da pessoa com deficiência à enfermização prejudica propostas de ensino

Reformas sugeridas pelo MEC devem ser elaboradas junto com os atingidos para serem bem estruturadas

Montagem: Bruna Diseró

A integração da pessoa com deficiência no sistema de ensino é falha. Em abril de 2018, o Ministério da Educação divulgou, no seu portal, uma proposta de atualização na Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva. O documento foi implementado há dez anos. A possibilidade de revisão de seus pontos trouxe novamente à tona a discussão sobre a inclusão da pessoa com deficiência no sistema educacional brasileiro, que continua falho ao enfermizar o grupo e, assim, privar o acesso verdadeiro deles a essa educação.

A pesquisadora Virginia Marino afirma que a desigualdade e a vulnerabilidade sociais pelas quais a pessoa com deficiência passa na sociedade são problemas antigos e que a educação sozinha não é capaz de resolvê-las. A solução viria com a articulação e integralidade de políticas públicas e ações direcionadas às pessoas com deficiência para garantir a elas o acesso, a permanência e a conquista de tais direitos.

Seria preciso também que houvesse uma focalização das políticas públicas para a superação do acesso e a diminuição entre o direito e sua efetivação, mas concentrando esforços na universalização dos direitos de todos e todas. O conceito de focalização e universalização está presente no debate sobre políticas públicas, mas são pouco usuais no campo da educação, especificamente, na atenção às pessoas com deficiência.

A pesquisadora concorda com estudiosos de que a questão não é contrapor a focalização à universalização como se fossem termos excludentes, mas sim conciliá-los para que sejam capazes de efetivar os direitos. Como exemplo, ela aponta que a ampliação no número de matrículas de alunos com deficiência nas escolas não é um fenômeno exclusivo do processo de universalização, mas sim se refere a díade estabelecida com a focalização. Dessa maneira, o alinhamento de ambas as propostas estabeleceria uma educação mais apropriada.

Ainda, Virginia aponta que as diferentes formas de educação (educação comum, educação inclusiva, educação especial) precisam de políticas sociais formuladas e implementadas em perspectiva holística, sistêmica, articulada e integrada para que o direito à educação de qualidade seja cumprido.

Educação Especial e o modelo de escavação

A trajetória da Educação Especial no Brasil está diretamente ligada ao processo de desresponsabilização do Estado em implementar programas, recursos e ações públicas de atenção direcionada ao grupo da pessoa com deficiência.

O percurso adotado por esse modelo se iniciou em instituições privadas particulares ou filantrópicas, o que ocasionou o distanciamento das pessoas com deficiência da discussão sobre emancipação, autonomia e garantia de direitos. Assim também aconteceu entre o modelo de educação especial e a educação comum que sofreram uma fragmentação por conta do financiamento público nessas mesmas instituições privadas.

A opinião da pesquisadora é de que a estrutura operacional da educação especial não ajuda, de fato, a pessoa com deficiência. Essa conclusão tem como base a constatação de que há uma falsa compreensão do atendimento integral às especificidades desse grupo: “A permanência de um modelo de educação especial que confunde atendimento clínico com atendimento educacional; que prevalece o atendimento exclusivo às deficiências e que luta pela manutenção do financiamento público em espaços privados desresponsabilizando o estado de organizar programas, serviços e ações a este público, pouco fortalece a luta pelos direitos das pessoas com deficiência”.

A educação inclusiva é um novo modelo ou não?

O uso indiscriminado do termo “inclusão” nas políticas educacionais promoveu compreensões distintas entre o que seria educação especial e educação inclusiva. Virginia coloca como necessário o repensar a educação especial considerando as múltiplas demandas contemporâneas sem deixar de pesar as vulnerabilidades sociais que assolam as pessoas com deficiência no Brasil. Isso aproximaria o discurso desse modelo com a educação inclusiva.

Entretanto, a pesquisadora afirma que a inclusão vista como exclusividade das pessoas com deficiência reduz a abrangência do termo e isso não colaboraria para que outros grupos que se sintam igualmente diferentes sejam também incorporados à educação inclusiva. Virginia conclui: “Ao realizar o crivo de educação inclusiva referindo-se à educação especial distancia-se o debate sobre a importância de uma educação que contemple a todos e a cada um”.

Ela ainda faz referência à Política Nacional lançada pelo MEC tratada no começo. O risco que o governo toma é de que haja apenas uma mudança de terminologias entre “inclusiva” e “especial”, mas não exista uma transformação no modelo de fato. “Corre-se o risco de se mudarem os nomes, mas manter-se a mesma prática sem superar o divórcio entre a formação pedagógica e a formação no campo dos conhecimentos específicos, que separam a educação da educação especial”, afirma Virginia.

A pesquisadora ressalta que as apropriações sociais não ocorrem de forma a um modelo ou paradigma substituir totalmente o outro. Ela afirma que as transformações são processuais e gradativas e, por vezes, incongruentes de forma que alguns aspectos permanecem intactos mesmo assim. Virginia diz que a transformação necessária permeia a igualdade dos estudantes e diz ser necessário “reconhecer o direito a um ajustamento razoável às diferenças como forma de garantir inclusão e participação”.

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