Irmão vota em irmão?: pesquisa investiga relação entre eleições e pentecostalismo

Presença religiosa na política brasileira cresceu nos últimos anos, mas ainda é permeada de interpretações de senso comum

Foto: Reprodução

 

Em dez anos, o número de brasileiros que se declarava seguidor de alguma igreja evangélica aumentou 61,45%. Esse crescimento foi seguido pelo fortalecimento político das igrejas evangélicas, dentre elas, as pentecostais. Não à toa, hoje em dia, 199 dos 513 deputados que compõem a Câmara integram a Frente Parlamentar Evangélica (FPE), também conhecida como bancada evangélica. Sua atuação é sabida pela defesa de temas conservadores e oposição a propostas progressistas.

Segundo Fábio Lacerda, autor da tese “Pentecostalismo, Eleições e Representação Política no Brasil Contemporâneo”, as igrejas pentecostais têm apoiado cada vez mais candidatos. Segundo seu estudo, publicado no ano passado, enquanto o número de candidatos evangélicos tem se mantido quase constante desde as últimas eleições, o número de eleitos vem aumentando.

Uma das igrejas com maior sucesso eleitoral é a Universal. “A cada dois candidatos pentecostais, ela elege um. É um sucesso eleitoral muito alto e impensável. Nenhum partido chega próximo disso”, explica. Mas são poucas nesse processo, a grande maioria das igrejas pentecostais, segundo o estudo, não tem estrutura para isso.  

Segundo Fábio, é comum que, por conta dessa atuação e pelo crescimento da sua influência política ao mesmo tempo em que crescem os fiéis, os candidatos evangélicos e seus eleitores seja vista como clientelista. Para o pesquisador, não é bem assim.

“Há certo preconceito em assumir que eleitores evangélicos seguem os seus políticos evangélicos de uma forma meio cega, como rebanho”, afirma. “Dados da produção de leis da Assembléia Legislativa de São Paulo mostram que os deputados evangélicos não produzem leis mais paroquiais que outros candidatos de outros grupos.”

Como votam os evangélicos?

A pesquisa indicou que o fato de o candidato usar nome de urna, como pastor ou missionário, não tem relação com o desempenho eleitoral dele. Em geral os candidatos que não usam o nome de urna têm um desempenho melhor do que os que têm nome de urna. “Isso faz a gente supor que esse é um recurso usado por candidatos em geral pouco competitivos e que estão tentando se diferenciar na multidão”, pontua Fábio. “Os candidatos oficiais das igrejas não usam porque não precisam.”

Para tal conclusão, Fábio e o grupo de pesquisa realizaram um teste quantitativo. Um questionário foi aplicado com estudantes de graduação da Universidade de São Paulo. Nele, candidatos com nomes fictícios foram apresentados e o nome de urna foi aleatorizado. Algumas pessoas recebiam o questionário com um dos candidatos tendo pastor como nome de urna. “O que a gente percebeu é que quando você apresentava só dois candidatos, aquilo ela irrelevante para as pessoas”, conta Fábio. “Um evangélico não ia votar em um candidato só porque ele era pastor, ou se afirmava pastor.”

Contudo, o resultado era diferente quando se aumentava o número de candidatos. “Quando a gente mostrava seis candidatos, a probabilidade do respondente evangélico votar no pastor subia muito”, conta Fábio. A suposição é de que quando se tem eleições com muitos candidatos, como tudo indica que serão as de 2018, os eleitores acabam se apoiando em pistas e atalhos cognitivos para facilitar a escolha.

“Quando são duas pessoas isso não acontece porque talvez você diminua o número de informações, aí o eleitor consegue ler melhor as opções. Mas quando se mostra seis candidatos, não se lê bem os seis”, explica Fábio. “Isso por um lado mostra que os evangélicos podem votar mais em candidatos evangélicos, mas por outro lado mostra uma lógica que é semelhante a outros grupos sociais. Então não tem nada de diferente.”

Representação corporativa

A candidatura oficial é um fenômeno recente. Começa na década de 1980, quando algumas igrejas pentecostais, como a Universal e a Assembléia de Deus, decidem que vão entrar na política para valer e passam a apoiar candidatos explicitamente. Em um cenário de redemocratização, o número de políticos evangélicos passou a crescer. Fábio conta que, se antes falava-se que religião e política não se misturam, com essa virada a expressão “irmão vota em irmão” ganhou popularidade.

Fábio aponta que, segundo a pesquisa realizada, não se pode afirmar que o fato do candidato ser evangélico conferirá a ele mais votos. Nomes de urna, como pastor ou missionário, não garantem sucesso nas eleições. “Mas quando você é uma pessoa apoiada pela estrutura de uma igreja, aí isso sim isso tem um efeito forte sobre o seu desempenho eleitoral”, comenta.

Tanto no campo ideológico quanto no campo financeiro, as igrejas pentecostais se mobilizam em grandes campanhas para que seus candidatos sejam eleitos. “É aí que a relação estabelecida entre fiéis e candidatos se torna mais forte e, potencialmente, clientelista. Mas não podemos afirmar que ela se resume a isso”, reitera Fábio.

Nas pesquisas de Fábio a candidatura oficial recebe o nome de modelo de representação corporativa. Ele é baseado em uma ajuda da igreja pentecostal para alavancar algum candidato, que pode ser financeira, mas também existem outras práticas. Uma delas é levar o candidato para o púlpito e apresentá-lo para a congregação, enquanto, ao mesmo tempo, alguém distribui entre os fiéis um marca livro com o nome do candidato.

“A exposição do candidato para a congregação é uma forma muito importante de você conseguir votos”, explica Fábio. “A igreja permeia várias esferas da vida do fiel, então é natural que haja uma relação de confiança muito forte. Quando a igreja diz ‘esse é o nosso candidato, nosso representante, que vai nos defender no congresso’, é natural que o fiel tenha confiança.”

Quando um candidato é apoiado por uma igreja pentecostal como a Universal ou a Assembleia de Deus, segundo a pesquisa, sua chance de se eleger é maior. A tese explica que ser pertencimento potencializa o seu poder eleitoral. “No caso dessas igrejas, principalmente da Universal, a relação é muito forte. O candidato presta contas para a igreja, então é como se fosse mesmo um partido. Ele vai ser eleito, mas tem que seguir as orientações desse partido, é como se fosse um diretório”, explica Fábio.

A pesquisa também indicou que o custo de voto (quanto arrecadou na campanha/número de votos) dos candidatos apoiados por igrejas é menor. Ou seja, eles precisam de menos capital para conseguir mais votos. Apesar disso, as campanhas não são mais baratas ou têm menos recursos.

“Se você é apoiado pela igreja pentecostal, você tem a possibilidade de ter mais recursos. É interessante pensar o efeito de ser apoiado por essas igrejas sobre o voto. Eu consegui dados de 2014, das Assembléias Legislativas e da Câmara, que mostram que existe um efeito forte de ser apoiado por igrejas pentecostais sobre o voto do candidato. E isso controlando por outras variáveis, como partido, gasto de campanha, se ele pertence à coalizão do governo, então é uma evidência forte de que realmente ajuda, ajuda bastante”, conclui Fábio.

Presença no legislativo

No campo da política institucional, as igrejas pentecostais não têm partidos próprios, mas estão pulverizadas em vários partidos. “A concentração maior está, sobretudo, no PSC e no PRB”, explica Fábio. “A Universal está hoje concentrada no PRB, embora ela use o discurso da laicidade e de que não há vínculos formais com o partido.”

“Há um movimento recente da Assembleia de Deus para criar um partido seu também, mas ela esbarra na dificuldade de ter vários ministérios e eles não são necessariamente unidos e nem sempre têm  interesses comuns, então há uma certa divisão”, comenta Fábio.

Não foi por acaso que o pesquisador focou sua tese no legislativo. Não são comuns os casos em que os candidatos pentecostais, ligados a esses partidos e já dentro da política institucional, ganham espaço no executivo, como foi o caso de Marcelo Crivella no Rio de Janeiro.

“Dado que no Brasil a gente tem esse sistema eleitoral de representação proporcional, se você é um evangélico, é mais fácil você conseguir ser eleito para um cargo legislativo, se você tem uma ligação com a Igreja. Se você consegue garantir 1%, 2% dos votos, você já pode se eleger no seu distrito. ”, explica Fábio. “Nas eleições para o executivo, é mais difícil, porque é uma eleição que você precisa ter 50% dos votos e os evangélicos estão crescendo, mas eles ainda não são 50%. Você vai necessariamente ter que fazer um apelo para outras parcelas, você não vai poder depender apenas do voto evangélico.”

Mas apesar do que se pensa, a pesquisa mostrou que os evangélicos são subrepresentados no legislativo. Fábio explica que nas ciências políticas discute-se a representação descritiva, que afirma que se um grupo representa 50% da população, ele deve ter 50% de representação nos espaços políticos. “Se vamos levar isso a sério, temos que lembrar que os evangelicos sao ⅓ da população e em 2014 elegeram 14% da Câmara dos Deputados, então eles ainda são subrepresentados”, argumenta.

Fábio concluiu que a representatividade vem crescendo ao longo dos anos, principalmente o número de candidatos oficiais das igrejas pentecostais. “A Universal tem um sucesso eleitoral muito alto. A cada dois candidatos, ela elege um. Isso é algo impensável, nenhum partido chega nem próximo disso”, conclui.

Surpreendentemente, Fábio não encontrou nenhuma diferença significativa na produção de leis quando se compara os evangélicos a outros grupos. “No fundo, as variáveis mais importantes para você entender a produção de leis acabam sendo se o deputado é do governo ou se é da oposição, o partido dele, talvez até a ideologia, mas o fato de ele ser ou não evangélico influencia pouco”, aponta o pesquisador. “É claro, eles devem produzir mais leis relacionadas a ser evangélico, mas quando a gente pega dados com recorte temporal maior, isso acaba sendo pouco expressivo.”

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