Sagarana é relacionado com suas cartas e gravuras por meio de pesquisa

Imagem: Ilustração de Poty Lazzarotto para o livro Sagarana

O livro de Guimarães Rosa, Sagarana (1946), foi relacionado com suas gravuras e ilustrações por uma análise feita pelo pesquisador Conrado Augusto Barbosa Fogagnoli, permitindo que as críticas feitas na época fossem confrontadas. Para isso, foi estudado o fundo de arquivo do autor e analisadas suas cartas e registros deixados para a história. Nelas, foi possível identificar que o sertão caracterizado na obra não é o lugar físico que a maioria dos leitores constrói e que suas ilustrações foram sendo direcionadas conforme conversas com o autor.

O pesquisador analisou, principalmente, a ligação entre o texto do escritor com as ilustrações feitas pelo gravador Poty Lazzarotto, que produziu diversas versões das artes que popularizaram as capas e páginas da obra Sagarana.

Lazzarotto foi um importante gravador de sua geração, e foi um dos poucos artistas a ir viajar para buscar referências externas — principalmente na Europa — à arte que estava sendo produzida fora do País. No Brasil, a educação se limitava à Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, e ao Liceu de Artes e Ofícios. Nesse último, Poty conseguiu contato com um dos maiores gravadores da época, Carlos Oswald, que foi uma grande fonte de informações. Em 1942, ganhou uma bolsa para ir estudar na França, o que lhe permitiu trazer muitas referências da arte que estava sendo desenvolvida internacionalmente.

É curioso observar como essa passagem dos modos de se pensar a ilustração para o livro. Poty Lazzarotto começa com desenhos e ao passar das edições chegou à uma solução formal que estaria muito mais próxima de uma ideia de imagem presente no texto do Guimarães Rosa”, conta Fogagnoli. Um bom exemplo da mudança do estilo e das representações das ilustrações feitas pelo artista é uma cena em que é representado um estouro de boiada. Nas primeiras versões, Lazzarotto compõe uma imagem em que é possível ver os bois, porém, quando muda de técnica, se aproxima da imagem construída no texto — “um turbilhão de chifres de todos os tipos, de pêlos, de cores. Uma imagem que você não consegue fixar um lugar”, segundo o pesquisador — e apenas ilustra os chifres, que dão a entender que são bois de uma forma subliminar, como no texto de Rosa.

Sabe-se que o autor teve grande influência na composição das imagens feitas para o livro. No arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros, foi possível encontrar rascunhos e indicações por escrito do que Guimarães Rosa desejava para as ilustrações. Os dois, autor e artista, tinham longas conversas por telefone para discutir o rumo das ilustrações.

Disponíveis em livro, foram analisadas cartas de Rosa para os tradutores de sua obra para outras línguas, o que foi de grande ajuda para identificar o conceito não-definido de sertão no texto. Ao explicar para os profissionais que transcreveram o texto, Guimarães explicita sua ideia de que o sertão, ao invés de ser um lugar físico — seco, com pouca vegetação e inabitado — como todo o leitor imagina, é um lugar universal que representa o desconhecido, a ausência de conhecimento.

Essa interpretação pode ser justificada pelo contexto em que o livro é escrito e recebido pela crítica. “Estamos saindo daquele momento do Regionalismo, então na época em que ele publica Sagarana, os críticos da época estão muito presos a essa ideia de literatura regional”, diz o pesquisador. São poucos os críticos que conseguem enxergar que a história montada pelo autor — uma pessoa extremamente culta para época, que viajava o mundo e conhecia mais de dez idiomas — estava construindo um não-lugar imaginário para trazer a reflexão sobre outros assuntos, como o desconhecido.

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