Projeto quer entender por quê o Brasil não sofreu extinção em massa no período Cretáceo

Uma grande quantidade de magma foi expelida no território brasileiro, mas surpreendentemente a vida não foi aniquilada. Imagem: Pixabay

Há 136 milhões de anos, o território brasileiro possuía uma enorme província de magma, conhecida como a província de Paraná-Etendeka, e a segunda maior do mundo em volume. Entre 4 e 2 milhões de anos, um curto espaço de tempo em termos geológicos, foi expelido uma quantidade enorme de lava, capaz de ocupar toda a extensão do território brasileiro com mais de 200 metros de altura de material vulcânico. Contudo, o aspecto curioso desse fenômeno é que não houve uma extinção em massa.

Em contraste, dois fenômenos parecidos aconteceram na história da Terra, porém com situações significativas de extermínio. Há 250 milhões de anos, uma província de magma localizada na atual área da Sibéria foi responsável por dizimar 90% de toda a vida em escala global. A extinção dos dinossauros, há 65 milhões de anos, também teve a participação de atividades vulcânicas intensas em uma província indiana, junto a um meteorito, que dizimou espécies.

Nessa linha, uma pesquisa coordenada pela professora do Instituto de Geociências da USP (IGc), Adriana Alves, procura entender o motivo pelo qual isso não aconteceu. “Nada indica que houve um evento de extinção em massa associado a nossa província. Teoricamente, deveria ter sido quase tão ruim quanto ao que aconteceu na Sibéria, porque possuíamos todos os componentes necessários aqui com exatamente a mesma configuração. Ainda não conseguimos explicar, porque não temos todas as peças do quebra cabeças”, afirma. O projeto, ainda muito inicial, tem a intenção de, além de desenvolver uma literatura mais aprofundada sobre o acontecimento pouco estudado pelos cientistas, entender quando as grandes províncias podem ou não matar.

Cientificamente conhecidas como “large igneous provinces” (LPIs), as províncias magmáticas foram marcantes no desenvolvimento da vida no planeta. Diferentemente das erupções vulcânicas tradicionais, as LPIs não são originárias dos movimentos das placas tectônicas, como os de subducção — no qual uma placa se levanta sobre outra. Sua formação acontece em breves períodos de tempo e expelem grandes volumes de magma, muito maiores do que dos vulcões associados aos movimentos de placas.

“Acho que nossa província não teve estudos mais detalhados porque ela não causou extinção em massa. Ela tinha potencial, mas não causou. E isso é esquisito”, explica a pesquisadora. Segundo ela, houve perturbações ambientais, principalmente no clima, mas a vida passou ilesa. O tamanho das mudanças em tão pouco espaço de tempo também não deu tempo para a vida se acostumar com a mudança, outro fato instigante do fenômeno. “Se fosse uma coisa palatina, gradual, ao longo de 100 milhões de anos, o meio ambiente conseguiria absorver e a vida conseguiria se adaptar para sobreviver às mudanças. Mas elas vieram muito rápido e não houve tempo para adaptação. O ponto é saber por que a província brasileira especificamente não causou um evento de extinção em massa”, adiciona.

Desafios

Uma das peças fundamentais para compreender o que aconteceu de diferente no contexto brasileiro é a composição dos gases expelidos. Na Sibéria e na Índia, sabe-se que os gases majoritariamente ejetados foram metano, dióxido de carbono e dióxido de enxofre. Porém, no caso da província de Paraná-Etendeka, a composição e as quantidades específicas dos voláteis ainda são desconhecidas. Essas informações são importantes porque irão expor o que houve de diferente entre o acontecimento brasileiro e os demais, assim revelando o motivo pelo qual não houve efetivamente extermínio em nosso território.

O desafio principal é encontrar e conseguir analisar esses gases. Durante a saída repentina de magma do interior terrestre, os gases são perdidos muito rapidamente. A pesquisadora explica que é como uma garrafa de refrigerante: assim que você a abre, quase todo o gás é retirado do líquido. Analogamente, os gases dissolvidos no magma são lançados na atmosfera quase que imediatamente. “Ao analisar as rochas, que são os produtos resultantes da solidificação dessas lavas, o gás já se perdeu. Então temos uma subestimativa da quantidade de volátil existente na época”.

A solução é utilizar técnicas analíticas diferentes. Uma possível alternativa é estudar as bolhas de gás ou de magma que se formam dentro dos minerais. “Quando os minerais vão solidificando, eles podem crescer e englobar bolhas de gases do magma do qual ele está cristalizando. Esse magma pode ainda não ter perdido os seus gases. Na hora que é selado na estrutura do mineral, o gás é preservado e você não o perde mais. É como uma cápsula”, diz Adriana. Dessa forma, pode-se conhecer a composição e o volume de voláteis que foram para a atmosfera e saber se essa foi a variável que diferiu ao magmatismo siberiano.

Caso os resultados forem semelhantes ao dos estudos na Sibéria, a conclusão plausível é que outros fatores devem ter atuado na extinção em massa da província e, consequentemente, agravado sua mortalidade.

As amostras de rochas com intrusão de gases e magma já chegaram e serão analisadas em breve. “Estou otimista com o projeto. É uma oportunidade de sair da área específica de experiência e ter liberdade para pesquisar, mudar a abordagem e ousar. Diferente de outras bolsas de pesquisa. Estou fazendo algo prazeroso, mas também com um apelo interessante à comunidade científica”, Adriana admite.

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