Técnicas não destrutivas analisam obras de arte dos museus da USP

Núcleo de pesquisa aplica física no acervo do Museu Paulista, Museu de Arqueologia, Museu de Arte Contemporânea e no Instituto de Estudos Brasileiros

“Independência ou Morte”, de Pedro Américo, localizada no Museu Paulista: um dos objetos de estudo do grupo. (Foto: Rogério Albuquerque/imagens)

Unir física à arte, explorando toda a potencialidade de pesquisa dentro dos museus. Essa é a proposta do núcleo de pesquisa de Física Aplicada ao Estudo do Patrimônio Artístico e Histórico (FAEPAH). Atualmente, a parceria é firmada entre o Instituto de Física (IF-USP) e os museus da USP, mas a ideia inicial — usar a instrumentação da física para analisar os acervos — se expandiu e engloba outras unidades, como a Escola Politécnica, o Instituto de Química e o Instituto de Biologia. Um recente projeto temático do núcleo, aprovado pela Fapesp, estuda pinturas do Museu Paulista, Museu de Arte Contemporânea (MAC) e Museu de Arqueologia, e busca criar um sistema de varredura de pigmentos nas obras, como um scanner que mapeia as diferentes cores e identifica os elementos químicos presentes.

Técnicas utilizadas na pesquisa

O grupo iniciou fazendo análises com feixes iônicos, o que foi um grande diferencial, uma vez que não existe no Brasil outro núcleo de pesquisa que utiliza aceleradores de partículas para o estudo de patrimônio. Com o passar do tempo, outras técnicas foram acopladas e, hoje, é possível analisar diferentes aspectos das obras de arte.

A radiografia com imagem digitalizada, por exemplo, consegue evidenciar pinturas subjacentes e alterações ou danos nas obras. Assim, a técnica permite identificar se foi feita alguma mudança a partir da ideia inicial e analisar o processo criativo do artista, além do estado de conservação das obras. Outro modo de revelação de fatores escondidos é a reflectância de infravermelho, que mostra aspectos como o traçado feito a lápis pelo artista.

A fotografia com radiação ultravioleta, por sua vez, permite identificar intervenções e os locais onde foram feitas. Por exemplo, se existem áreas craqueladas, retocadas ou rasgadas, elas são evidenciados pela fluorescência UV. Os pigmentos de tinta utilizados também podem ser analisados com o uso de raios X e estudos microscópicos. Segundo a coordenadora do núcleo de pesquisa e professora do IF-USP, Márcia de Almeida Rizzutto, o estudo dos pigmentos acoplado a outras técnicas pode permitir levantar questionamentos sobre a paleta de cores do artista e sua correspondência com a época em que a obra se insere, confirmando, assim, a possível originalidade do acervo.

“Foi dentro dessas potencialidades de técnicas que nós começamos a equipar o grupo e atender aos diferentes questionamentos, que trazem resultados benéficos tanto aos historiadores quanto aos conservadores de arte”, comenta a professora. Ela cita como exemplo a tese de doutorado de seu orientando, Pedro Herzilio Ottoni Viviani de Campos: “Caracterização de pinturas da artista Anita Malfatti por meio de técnicas não destrutivas”. A pesquisa foi feita em parceria com o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) e com a Pinacoteca do Estado de São Paulo e revelou características das obras e dos processos criativos da artista.

 

Os equipamentos do Instituto de Física sendo utilizados para análise de obras da Pinacoteca e do IEB (Imagem: tese de doutorado – Pedro de Campos/IF-USP)

A linha de estudo exemplificada no doutorado de Pedro permite a construção de um banco de dados com informações de extrema validade a historiadores, curadores de arte e restauradores. Além disso, Rizzutto cita a salvaguarda de patrimônio, que é a garantia de originalidade concedida por uma instituição, uma vez que o estudo realizado com diferentes técnicas permite um registro das obras, que, por sua vez, possibilita uma rápida identificação da autenticidade das mesmas.

O projeto temático, recém financiado pela Fapesp, busca criar um sistema de mapas de fluorescência de raios X e a utilização de um equipamento de radiografia portátil para estudos dos objetos do patrimônio histórico cultural. O sistema de varredura funcionaria no mapeamento dos pigmentos utilizados nas obras, enquanto a ideia de uso de equipamentos portáteis para as análises em um laboratório móvel implicaria na não necessidade de retirada dos objetos dos museus. “Nesse projeto temático, estamos estudando várias coleções do Museu Paulista, do MAC e do Museu de Arqueologia. Trabalharemos com historiadores, arqueólogos, restauradores e conservadores para nos ajudar a contextualizar as obras no museu. A ideia é usar nossos resultados para pensar o restauro e a conservação preventiva, além de descobrir informações sobre o artista e o processo criativo”, explica a coordenadora do núcleo.

Rizzutto reitera a importância dessa interdisciplinaridade: “Montamos uma disciplina de física aplicada dentro do curso de Museologia. Afinal, o museólogo vai ser quem vai guardar essa obra, desenvolver ações culturais voltadas aos acervos, bem como preservar a sua conservação e colocá-la em uma exposição”.  A professora ainda comenta que o museólogo não precisa de conhecimentos profundos sobre física, química ou biologia, mas sim, conhecer as técnicas de análise de patrimônio e conseguir dialogar com profissionais da área.

“Algo muito importante no estudo é mostrar que os museus são grandes fontes de pesquisa”, afirma Rizzutto. “Precisamos preservá-los, não apenas como locais de guarda e exposição, mas de estudo, de divulgação de conhecimento, de intercâmbio de informações. Na USP, por exemplo, temos quatro museus e um instituto (IEB) riquíssimos que contribuem para pesquisa em diversas áreas.”

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