Análises com xenotransplantes promove avanço de pesquisas terapêuticas para o câncer de pâncreas

Técnica dos xenotransplantes derivados de pacientes, os PDXs (Imagem: Luis Bruno da Cruz e Alves de Moraes/Adaptado)

O câncer pancreático acomete cerca de 150 mil pessoas por ano no Brasil e é considerado uma das mais letais modalidades de carcinomas. Não há tratamento farmacológico para a doença, e a possibilidade de terapia curativa, seja pela cirurgia de remoção do tumor ou quimioterapia, depende de um diagnóstico precoce; quando descoberta tardiamente, os prognósticos são ruins.

É justamente por causa desse quadro de dificuldade, afinal, que o Laboratório de Pesquisas Integradas em Câncer, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), direciona seus esforços para a descoberta de biomarcadores para diagnóstico precoce e novos alvos terapêuticos para o tratamento do tumor de pâncreas. “O foco de interesse do laboratório é aplicar técnicas de biologia molecular e de genômica, que é basicamente fazer a análise em larga escala de alterações no DNA ou no perfil de expressão dos genes nas células, e entender quais são as consequências funcionais dessas alterações no contexto de câncer”, explica o professor Eduardo Moraes Rego Reis.

A equipe do docente, da área de genômica e expressão gênica em câncer, coleta amostras tumorais de pacientes humanos através de colaborações com grupos clínicos. “Então a gente extrai o DNA, a informação genética, e tenta identificar mutações naquela amostra que são características do tumor, além de verificar se são mutações comuns a vários pacientes e tentar correlacionar isso com evolução (se aquele tumor é mais agressivo, menos agressivo, por exemplo)”, afirma Reis.

Além disso, trabalha-se com a extração de RNA, as moléculas intermediárias copiadas a partir do DNA para a síntese das proteínas das células. Ao analisar o RNA, explica o professor, observa-se quais são os genes ativos naquele tumor, “porque nem todos os genes vão ser copiados na célula do pâncreas. Então, ao isolar e investigar o RNA, podemos comparar o nível de atividade dos genes, por exemplo, entre o tecido tumoral e o tecido normal e identificar aqueles que possuem expressão aberrante no câncer.”

O modelo tradicional de trabalho, porém, realizado em placas de cultura, apresenta limitações: “O ambiente de células tumorais mantidas em uma placa de cultura é muito diferente do ambiente que o tumor enxerga dentro do organismo do hospedeiro. A célula tumoral, quando cresce no seu órgão de origem ou mesmo quando se espalha para outros locais (metástases), é rodeada de outras células, como as do sistema imunológico”, explica Reis. Até por isso, a chance de se reproduzir na clínica algo bem-sucedido no laboratório  acaba sendo menor, fazendo-se necessário a aplicação de técnicas que reproduzam de maneira mais fidedigna o ambiente tumoral.

A técnica dos xenotransplantes de tumores

O LAPIC, como é chamado, faz uso de uma técnica alternativa e promissora para identificação dos tumores: os xenotransplantes de tumor derivados de pacientes. Trata-se da implantação de tecido tumoral de pâncreas humano em camundongos. Para isso, utiliza-se linhagens de camundongos que não possuem um sistema imunológico ativo e capaz de rejeitar o tecido humano.

“Então, geramos como se fosse uma linhagem de xenotumores. É um xenotumor que saiu do paciente X e está sendo mantido não em placa de cultura, mas em um animal hospedeiro. E a vantagem disso é que este modelo não só mantém a célula tumoral, mas também, ao menos parcialmente, a arquitetura do tumor original e a presença de células do microambiente. Dessa forma, durante um tempo ainda consegue manter células da matriz extracelular e células do sistema imunológico do paciente no camundongo”, explica o docente.

Quando o xenotransplante de tumor cresce e atinge um certo tamanho, os animais são sacrificados e o tumor é transferido para um novo hospedeiro. Comprovadamente, o uso dessa técnica aumenta a possibilidade de reprodução de resultados laboratoriais em um quadro clínico. “Já foi mostrado que, mesmo após várias passagens em animais, os xenotransplantes mantêm características mais próximas do tumor original do paciente”, afirma Reis.

Isso permite que, até as células humanas do microambiente serem substituídas por células do camundongo, exista uma janela de tempo em que é possível investigar e testar novos biomarcadores e alvos terapêuticos em um modelo tumoral que se aproxima mais do tumor presente no paciente, aumentando a probabilidade de que os resultados positivos obtidos em laboratório tenham sucesso se aplicados na clínica.

A equipe se prepara agora para publicar os resultados de um estudo envolvendo o sequenciamento do material genético de pacientes com adenocarcinoma pancreático. “Nós tínhamos 15 pares de amostras de tumor e tecido normal de 15 pacientes. Isolamos DNA e RNA dessas amostras e fizemos a análise de sequenciamento de nova geração, que é uma das ferramentas talvez mais importantes da genômica. 

Depois da análise desses dados, a gente pôde identificar genes que sofreram mutações e genes cujo nível de expressão encontra-se alterado no câncer de pâncreas. A coleção de xenotransplantes que geramos no laboratório será valiosa para testarmos, em seguida, a relevância clínica dos resultados obtidos neste estudo”, comenta Reis.

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