Fake news e os impactos na divulgação científica

Ciências: amplamente atingidas por contar com informações de interesse público e político — e também por depender de pesquisas, teses e análises científicas. Imagem: Reprodução (Getty Images)

Por Carla Monteiro, Dayane Soares, José Victor Castro e Luiza Coimbra

[1] No dia 28 de dezembro de 2017, Donald Trump publicou em sua conta no Twitter: “Na costa leste é possível que tenhamos a véspera de ano novo mais FRIA já registrada. Talvez pudéssemos usar um pouco desse aquecimento global que nosso país, mas não os outros, vão pagar TRILHÕES DE DÓLARES para evitar”.

Oito dias antes, no dia 20 de dezembro, o atual presidente dos Estados Unidos retirou a declaração de seu antecessor, Barack Obama, de que as mudanças climáticas representam uma ameaça à segurança nacional. Em julho, também de 2017, Trump retirou os EUA do acordo de Paris, considerado histórico e assinado por 195 países no dia 12 de dezembro de 2015. O acordo tem como objetivo reduzir emissões de gases de efeito estufa no contexto do desenvolvimento sustentável. O compromisso seria de manter o aumento da temperatura média global em bem menos de 2°C acima dos níveis anteriores à industrialização (pré-industriais), mas promovendo esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C.

Como uma reação aos discursos de Trump em relação às mudanças climáticas e aos cortes orçamentários significativos para a Ciência e Tecnologia (C&T) americana, foi criado o movimento internacional Marcha para Ciência, que começou nos EUA, mas foi expandido para outras regiões do mundo agregando pautas locais. A 1a Marcha para Ciência aconteceu no dia 22 de abril de 2017, até antes da saída dos EUA do acordo de Paris.

Para Trump, as mudanças climáticas são uma mentira prejudicial à economia americana. A relação dele com o assunto é similar com aquilo que ele chama de fake news, ou seja, “notícias falsas”.

A ​fake news​ de Trump

A expressão fake news ganhou grande proporção na última eleição presidencial americana, na qual Donald Trump saiu vitorioso. Como uma espécie de defesa das perguntas mais polêmicas dos jornalistas, o então candidato à presidência alegava que determinado assunto era fake news e esperava que com isso o assunto terminasse.

Trump tem uma relação agressiva com algumas empresas de comunicação e chamá-las de divulgadoras de fake news pode ter sido a ação mais branda de seu mandato até agora. Em fevereiro do primeiro ano de governo, por exemplo, os jornais The New York Times e Los Angeles Times, as redes CNN e BBC e os sites Político, The Hill e BuzzFeed foram impedidos pelo presidente de assistir à coletiva diária do então porta-voz do governo Sean Spicer. Apesar de Trump ter uma relação hostil com algumas empresas de comunicação, o livro lançado no início de 2018 pelo jornalista e comentarista da rede americana Fox News, Howard Kurtz, tem como título Loucura da Mídia: Donald Trump, A Imprensa e a Guerra Sobre a Verdade e alega que Trump admira alguns profissionais e empresas de comunicação, como a Fox News, e até comparece a encontros secretos com aqueles que contam com sua admiração.

Hoje, a expressão fake news não é apenas utilizada pelo presidente americano. De certa forma, ela entrou no vocabulário daqueles que querem criticar negativamente algum emissor de mensagem — que está sendo chamada de notícia. É desse ponto que discorda o jornalista e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, André Chaves, que não vê sentido em chamar de notícia aquilo que está classificado como falso. “A definição de notícia já pressupõe verdade, então não é possível dizer que uma notícia é falsa. Informação falsa, ok, sempre existiu, mas notícia não”, conta o pesquisador.

Da ​fake news​ à pós-verdade (e vice-versa)

Uma outra palavra relacionada a fake news é pós-verdade. Escolhida como palavra do ano em 2016 pela Oxford Dictionaries, pós-verdade é, segundo o próprio dicionário, aquilo relacionado a uma situação onde informações falsas, com forte apelo emocional e crenças pessoais, se sobrepõem a informações verdadeiras com o objetivo de mudar a opinião pública.

Todo ano a Oxford Dictionaries divulga a palavra do ano e justifica a escolha. Em 2016, ela alegou que “pós-verdade” foi um conceito muito utilizado para analisar as vitórias de Donald Trump à Casa Branca e a do Brexit no Reino Unido. Essas duas vitórias aconteceram em meio a informações falsas que foram divulgadas nas redes sociais.

A era da pós-verdade, inversão e conflitos de valores

Segundo o escritor e jornalista espanhol Álex Grijelmo, a mentira requer formas muito potentes para sustentar-se. Portanto, as técnicas de silêncio costumam ser extremamente eficazes. Dessa forma, emite-se uma parte comprovável da mensagem, mas outra igualmente verdadeira é omitida. A insinuação, a pressuposição e o subentendimento, a falta de contexto e a inversão da relevância são agentes fundamentais para a difusão de informações falsas e tendenciosas.

Durante a palestra inaugural do TED 2018, a jornalista ucraniana e ativista engajada no combate a notícias falsas, Olga Yurkova, afirmou que as chamadas fake news são “uma ameaça à democracia e à sociedade, pois as pessoas já não sabem o que é real e o que é falso. Muitas deixaram de acreditar e isso é ainda mais perigoso”.

Cofundadora do site StopFake lançado para abordar a crise ucraniana em 2014, dado que notícias manipuladoras e, na maioria das vezes, totalmente forjadas, foram divulgadas a partir da televisão russa. Um dos episódios mais afamados foi protagonizado por Galyna Pyshnyak, autodeclarada refugiada russa, que relatou, aos prantos, ter visto seu filho de três anos de idade ser crucificado por soldados ucranianos em meio à recém-estourada guerra de Donbass, no leste da Ucrânia, entre tropas ucranianas e forças pró-russas separatistas, causando grande comoção. Posteriormente, foi descoberto que Galyna Pyshnyak era esposa de um militante pró-rússia.

Além dessa, muitas outras inverdades foram disseminadas: “Eles disseram que o Exército (ucraniano) encurralou os moradores locais na Praça Lenin, na cidade de Sloviansk, mas essa praça sequer existe”, diz a jornalista Yurkova.

Segundo a BBC, apesar disso, essa “notícia” teve grande alcance e apareceu em vários estudos como exemplo de “desinformação” nos meios modernos de comunicação de massa. Para a Rússia, foi “uma boa peça de propaganda”, escreveu o jornalista Andrew Kramer em um artigo do New York Times, em fevereiro de 2017.

Desde então, a equipe StopFake, composta por professores, graduados e estudantes do Kyiv Mohyla Journalism School, juntamente com o projeto KMA Digital Future of Journalism, evoluiu até se transformar em uma sofisticada organização de comprovação de fatos em 11 idiomas.

“Inicialmente, o objetivo do projeto era verificar e refutar a desinformação e a propaganda sobre os eventos na Ucrânia que circulavam na mídia. Eventualmente, o projeto se transformou em um centro de informações onde examinamos e analisamos todos os aspectos da propaganda do Kremlin. Nós não apenas olhamos como a propaganda influencia a Ucrânia, mas também tentamos investigar como a propaganda impacta em outros países e regiões, desde a União Européia até países que compunham a União Soviética”, afirma a equipe. Com esse trabalho, a organização revelou, até agora, mais de mil histórias mentirosas na Ucrânia e ensinou a mais de 10 mil pessoas de todo o mundo a reconhecer quando uma notícia é falsa.

As ciências e as ​Fake News

Com apenas um acesso às redes sociais, é possível notar a presença de diversas notícias falsas de todos os assuntos: política, entretenimento, esporte e também ciência. Aliás as informações científicas são algumas das que sofrem maior impacto no mundo digital. As ciências são amplamente atingidas por contar com informações de interesse público — e político — e também por depender de pesquisas, teses e análises científicas.

Notícias mentirosas como a de que um cometa vai cair na Terra no próximo ano ou então que o homem jamais pisou na Lua são vastamente compartilhadas pelos usuários da web e das redes sociais. O alto número de compartilhamento faz com que uma quantidade ainda maior de pessoas recebam o conteúdo falso e acreditem no que está lendo. A cena está armada: mais uma fake news que caiu nas redes e que leva pessoas a acreditarem em informações não legítimas.

Uma pesquisa realizada na França mostrou que 79% dos entrevistados acreditam em teorias da conspiração. Dezesseis porcento admitiram duvidar da ida do homem à Lua e ainda 9% acreditam que a Terra é plana. Todas especulações falsas já desmentidas pelo método científico. Neste cenário, todo trabalho de pesquisa dos científicas fica à mercê das fake news e desprestigiado pela sociedade. O cuidado com o método e a preocupação com a precisão da ciência são descartadas e desprestigiadas num ambiente em que todos (os usuários) têm voz e possuem ainda as suas opiniões validadas pelos ‘likes’ e compartilhamentos. “Quero lembrar que Fake News existe há séculos. Notícias fantasiosas, boatos. A diferença que podemos observar agora são as plataformas que conseguem disseminar isso com muito mais volume e rapidez”, comentou especialista em Fake News, Maurício Moura, professor e pesquisador da Universidade George Washington e fundador da Idea Big Data, empresa brasileira de consultoria para a web.

A situação se torna ainda mais conflitante quando informações comprovadas cientificamente são reaproveitadas por sites para disseminar fake news. No início deste ano, por exemplo, circulou na internet a notícia de que o Brasil teria o inverno mais frio dos últimos cem anos por causa da atuação do La Niña, fenômeno de resfriamento das águas do Oceano Pacífico. De acordo com os meteorologistas, de fato, este ano o evento La Niña vai acontecer e terá forte atuação no que diz respeito às temperaturas baixas do inverno brasileiro, mas não se pode afirmar com certeza — e com a precisão que a ciência exige — que este será o inverno mais frio dos últimos 100, 200 ou 300 anos.

Não bastasse os desafios de propagação de informações, a Ciência ainda enfrenta cortes e investidas que comprometem ainda mais o seu bom desempenho. Para 2018, por exemplo, o governo federal brasileiro bloqueou R$ 477 milhões de reais do orçamento da ciência e tecnologia e o resultado será menor investimento na área em todo país. Na ocasião, o ex-ministro e pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco, Sérgio Rezende, comentou que “nos últimos dois anos, o orçamento de ciência e tecnologia caiu muito. Vários programas foram interrompidos, congelados, e não acredito que vai haver melhora, porque a situação é ruim e a ciência está desprestigiada”.

Para Maurício, a única maneira de combater as notícias mentirosas que circulam nas redes é investir em educação. “É necessário um trabalho de educação e conscientização para crianças desde o começo da escola até um cidadão comum hoje que utiliza WhatsApp e outras redes sociais, para ter o discernimento de saber o que é fake news e o que não é. É um tema que tem que ser trabalhado com educação”. Em outras palavras, a ciência e educação em prol da própria ciência.

Comunicação científica x informações mentirosas

Em resposta aos efeitos das notícias falsas no debate público virtual, diversos setores da sociedade apresentam iniciativas para combater a desinformação. O projeto de lei 6812/2017, do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB), que propõe criminalizar o compartilhamento de notícias falsas pode ser discutido na Câmara dos Deputados ainda este ano.

O projeto estabelece detenção de até oito meses para quem divulgar ou compartilhar notícias falsas. Segundo a justificativa da proposta “atos desta natureza causam sérios prejuízos, muitas vezes irreparáveis, tanto para pessoas físicas ou jurídicas, que não têm garantido o direito de defesa sobre os fatos falsamente divulgados”. No entanto, para especialista, essa não é uma solução adequada.

De acordo com Angela Pimenta, coordenadora-executiva do Projeto Credibilidade e presidente do Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo), os projetos de lei apresentados por políticos brasileiros pecam ao ignorar as diferentes categorias de desinformação e como essa desordem de informação é composta. Neste sentido, Pimenta cita o trabalho da pesquisadora britânica Claire Wardle e explica que é preciso considerar a motivação da desinformação, “que pode ser de boa fé, como um erro jornalístico, até uma publicação criminosa de informações falsas para ferir reputações”.

Assim, outros meios são necessários para combater a desinformação. A fim de tornar a imprensa mais confiável é que iniciativas, como o Projeto Credibilidade e o The Trust Project, e agências de checagem de fatos, como a Agência Lupa, são desenvolvidas. As duas primeiras apresentam técnicas para se produzir um jornalismo de qualidade e confiável no ambiente digital, enquanto a Lupa promove a conferência da veracidade de informações veiculadas nas mídias digitais.

Além disso, Angela destaca outras três iniciativas: “Educação midiática (jovens e adultos precisam aprender a ler e a interpretar notícias, a começar por distinguir o que é notícia factual de opinião, análise, publicidade); checagem do discurso público (tal como fazem agências de checagem e veículos jornalísticos); e o aumento da transparência do processo editorial noticioso, com a adoção do sistema de indicadores de credibilidade”. Ela ainda afirma serem ações complexas, intensivas e que demandam um longo prazo. Isso, somado às diversas formas de geração de notícias, reafirma que essa é uma luta árdua e que não cessará tão cedo.

Em concordância a isso, Ricardo Zorzetto, editor de Ciência na Revista Pesquisa Fapesp, aponta que estudos da psicologia e sociologia por trás das fake news, a prática do bom jornalismo e o trabalho de cientistas na pesquisa e na comunicação com a mídia para desmentir boatos científicos compõem o tripé do bom jornalismo científico. O primeiro pode ser exemplificado com duas pesquisas sobre disseminação de notícias falsas na internet, publicadas em 8 de março deste ano na revista científica Science. Ambas são de extrema importância para o entendimento da contextualização das fake news frente a notícias verdadeiras, nas redes sociais e entre as pessoas.

Para Ricardo, a boa comunicação entre cientista e jornalista é fundamental na divulgação da ciência. O que era um desafio até dez anos atrás, aproximadamente, desde então tem melhorado e deve só progredir ao se prezar pela boa checagem de informações. Além disso, a adequação vocabular na comunicação científica ainda é outro ponto importante para atingir o leitor. Com isso, a correta compreensão da informação permite mais circulação de informações confiáveis.

O Projeto Credibilidade desenvolveu um manual da credibilidade. Nele, ao final do tópico “Desordem da informação”, o veículo aponta as recomendações dadas por Claire Wardle e Hossein Derakhshan no relatório “Information Disorder – Toward an interdisciplinary framework for research and policy making” (Desordem da Informação – rumo a um quadro interdisciplinar de pesquisa e formulação de políticas) para o combate da desinformação. Os pesquisadores indicam tanto governo, empresas de tecnologia e a mídia quanto a sociedade civil como agentes nessa luta. Essas são práticas que consensualmente se
aplicam a todas as áreas da informação, portanto, devem ser usadas por todos os comunicadores, inclusive na ciência.

[1] Todas as grandes reportagens desse ciclo são datadas e foram escritas ao longo do primeiro semestre de 2018 até o seu término.

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