Brasileiro se interessa por ciência, mas não conhece produção do próprio País

Embora a produtividade nacional seja elevada e tenha relevância e debate na academia, grande público encontra dificuldade de acesso a esse conteúdo

Marcos Santos / USP Imagens

[1] Por Carolina Pulice, José Paulo Mendes, Julio Viana e Maiara Prado

A ciência vai, muitas vezes, além de sua produção. A divulgação e a interação com a sociedade são fatores essenciais para que a ciência seja de todos. As reportagens adiante mostram os desafios em tornar a ciência interessante, em como divulgá-la, e mostra alguns exemplos de como falar sobre ciência.

O celular que provavelmente está em suas mãos ou no bolso da sua calça agora, o chuveiro quente que você espera o dia todo para ligar e tomar aquele banho, o remédio para dor de cabeça que te salva nos dias difíceis. O que esses elementos têm em comum? Eureca! Todos são fruto da ciência, assim como quase tudo ao nosso redor. Mas quantos de nós costumam reconhecer e refletir sobre isso com alguma frequência? A resposta é: quase ninguém. E as explicações para isso não estão muito longe.

Expectativa X Realidade: o interesse popular em ciência e tecnologia não condiz com seu conhecimento sobre o tema

A maior parte da produção científica nacional é fomentada por fundações de amparo à pesquisa, iniciativas federais e estaduais que promovem suporte à produção de conhecimento no país, sendo as principais o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs). Com apoio considerável, bastante conhecimento é gerado e revisado na academia, mas muito pouco dessa produção chega ao grande público.

No estado de São Paulo, por exemplo, 61% das pessoas afirmam ter interesse em ciência e tecnologia, mas 87% delas não sabe citar nenhuma instituição científica do país e 94% desconhece qualquer cientista brasileiro, segundo os dados coletados em 2015 pelo Centro de Gestão em Estudos Estratégicos (CCGE) e pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Em contrapartida, iniciativas voltadas à divulgação da ciência existem das mais diversas formas: revistas indexadas, museus interativos, planetários, jardins botânicos, exposições itinerantes e iniciativas online (via blogs, YouTube, podcasts e redes sociais); o que acontece é que elas não têm se mostrado efetivas para ampliar o conhecimento científico do grande público.

No caso do Brasil, três fatores principais contribuem para essa lacuna entre interesse e compreensão consciente da ciência. O primeiro deles é o tamanho do País, que dificulta a distribuição igual dos conhecimentos nas diferentes áreas. Do total de museus existentes no País (segundo a 3ª Edição do Guia de Museus de Ciência do Brasil), por exemplo, 155 estão no Sudeste; 44, no Sul; 43, no Nordeste; 15, no Centro-Oeste; e 11 no Norte, indicando uma heterogeneidade significativa no acesso à vivência científica. O segundo fator diz respeito à divulgação de alfabetização que normalmente é feita em lugar de ações que colaborem para a construção de uma postura ativa por parte da população. O YouTuber Paulo Miranda Nascimento, o Pirula, criador do Canal Do Pirula, comenta essas duas questões, indicando a importância de combinar a experiência presencial com a online de forma complementar para promover engajamento popular e fomentar a busca de informação e consumo da ciência.

Pirula e Maiara. Para youTuber é preciso combinar experiência presencial com a online para fomentar consumo da ciência

“O Brasil é um País de tamanho continental. (A informação) não chega. Também existe o ditado de ensinar a pescar ao invés de dar o peixe. Eu não posso simplesmente ficar mostrando as coisas para as pessoas e só aguçar a curiosidade delas. (Isso) é o passo um. O segundo passo é ensinar as pessoas como elas devem pensar e como você descobre informações fidedignas, e isso você só faz com acompanhamento ou se a pessoa estiver disposta. Às vezes, ir no museu vai aguçar as pessoas a esse interesse, mas a internet, a televisão ou uma revista que vão manter esse interesse por mais tempo; a mídia de massa consegue chegar em outros lugares”.

O terceiro e último fator para a problemática, interesse versus conhecimento, é a cultura nacional de publicação das pesquisas apenas em revistas indexadas, o que é reflexo da valorização atual da qualidade de informação em detrimento do alcance, e acaba por tirar dos cientistas o foco na divulgação científica para o grande público. O Brasil apresenta o maior número de periódicos de acesso aberto dentre os países com grande volume de produção científica (ver tabela), o que é ótimo para os cientistas e mostra certa preocupação com a difusão de informação.

A grande questão é que esses textos são, em sua maioria, publicados em inglês e de linguagem técnica demais para ser acessada por leigos, o que inviabiliza seu aproveitamento na construção de uma cultura de divulgação científica. Outro ponto importante é o fomento desse modelo pelas agências de amparo à pesquisa pois isso dificulta ainda mais o processo de valorização e fortalecimento de iniciativas de divulgação mais próximas da realidade da população, sejam elas presenciais ou online.

Fonte: Revista Fapesp

[1] Todas as grandes reportagens desse ciclo são datadas e foram escritas ao longo do primeiro semestre de 2018 até o seu término.

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