Mapear ruído paulistano auxilia no planejamento da cidade

Além de incomodar, poluição sonora causa malefícios à saúde

Fluxo de carros na Marginal Tietê. Reprodução: Metropolitan Transportes

Que São Paulo é barulhenta, a gente já sabe. A novidade é que a criação de um mapa de ruído na cidade ajudaria no planejamento de habitações em locais com menos barulho. Os dados são resultado da dissertação de mestrado Poluição sonora dos automóveis: o mapa de ruído como instrumento de planejamento no município de São Paulo realizada por Maykon Ivan Palma na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP.

O objetivo da pesquisa era mostrar como a poluição sonora dos automóveis prejudica a saúde e o bem-estar da população no município, criando um mapa de ruído. Para isso, foram usados dados de trânsito da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) e de ônibus da SPTrans (São Paulo Transporte). Em seguida, Palma simulou um mapa de ruído da macroárea Arco do Tietê, no município de São Paulo, considerando o fluxo de automóveis e a velocidade da via. A CET não conta motos e bicicletas. O barulho de uma motocicleta equivale ao de três carros passando. “Eu tentei uma aproximação, mas a realidade é mais barulhenta do que esse mapa”, afirma o pesquisador.

Mapa de ruído idealizado. Áreas mais escuras são as mais barulhentas. Imagem: Maykon Ivan Palma

Visualize o mapa de ruído em melhor qualidade aqui. (Página 103)

A área foi selecionada por ser ponto de várias Zeis (Zona Especial de Interesse Social). Isso quer dizer que o território está destinado, predominantemente, à moradia para a população da baixa renda. Essas áreas são demarcadas no Plano Diretor Estratégico (PDE) do Município de São Paulo. O último foi estabelecido em 2014, definindo como será o desenvolvimento e o crescimento da cidade até 2030. “Me chamou atenção colocar uma população para morar à beira de uma via tão movimentada como a Marginal Tietê, que passou por obras e ficou com três pistas há poucos anos”, explica.

A Lei de Zoneamento, sancionada em 2016, determina máximo de 55 decibéis como ruído aceitável durante o dia e 50 decibéis à noite. Mas, ao longo da Marginal Tietê, o ruído varia entre 79 e 81 decibéis durante dia e noite. “Não faz sentido. É um conflito entre o legislado e a realidade”.

Localização da macroárea Arco Tietê. Imagem: Maykon Ivan Palma

Palma esclarece que o zoneamento deveria ser feito com base em um mapa de ruído, como ocorre em países da União Europeia. Mas o que fazer quando as moradias já existem? O estudo simulou a diminuição da velocidade das vias, como era na gestão anterior da prefeitura, e constatou que isso teria efeito no barulho. Com os carros andando mais devagar, seria 1,3 decibel a menos, o que parece pouco, mas não é. “O decibel é medido em escala logarítmica. Então, por exemplo, se um liquidificador ligado faz 70 decibéis, dois liquidificadores ligados fazem 73 decibéis. Seria como reduzir 20% o número de veículos”.

Outra simulação juntou diminuição de velocidade e utilização de pavimento silencioso ao longo da Marginal, o que era obrigatório, mas não foi feito. Seriam aproximadamente 2,4 decibéis a menos, o que teria o mesmo impacto de reduzir a quantidade de veículos em 35%.

Além disso, a NBR 15.575/2013, que regulamenta edificações habitacionais, determina que os novos apartamentos, inclusive os voltados para baixa renda, devem ter isolamento acústico no quarto. Palma ressalta que as construtoras poderiam utilizar o mapa de ruído para alcançar o que é especificado pela norma: “Para que elas atinjam o especificado na NBR 15.575, pode-se usar o mapa de ruído. Talvez posicionar a torre, deixando a parte mais barulhenta para sala, cozinha ou área de serviço e o quarto no fundo”.

Impacto na saúde

Quando ouvimos um barulho, o corpo fica em estado de alerta e passa a produzir noradrenalina e adrenalina, causadas pela reação natural de bater ou fugir. Se o ruído for constante, como o escutado por quem mora numa via barulhenta, isso leva a um estado de fadiga e estresse. Os efeitos são adversos. Além do efeito direto, na própria audição, podem acontecer indiretos: alterações no sistema nervoso; nas glândulas salivares; dilatação pupilar; espasmos; liberação de colesterol; cortisol; distúrbios gastrointestinais; hipertensão, entre outras mudanças.

Uma pesquisa feita em Berlim, na Alemanha, evidenciou a relação entre exposição ao ruído e infartos.  O grupo exposto ao ruído teve uma incidência de 20% maior de infartos.

Além disso, não ter uma noite de bem sono dormida por conta do barulho pode atrapalhar o indivíduo durante o dia seguinte em atividades como estudar e trabalhar. Um estudo realizado por Fernando Pimentel de Souza, professor titular de neurofisiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) demonstra que a população que mora em vias barulhentas tem uma redução média de 35% na parte mais nobre do sono. “O autor fala que estamos condenando essas pessoas a serem cidadãos de 2ª classe. São pessoas que ficarão limitadas”.

Problema internacional

A União Europeia possui uma diretiva que obriga todos os municípios com mais de 250 mil habitantes a terem mapa de ruído, o que possibilita, a cada 5 anos, mostrar indicadores.

Em Buenos Aires, na Argentina, existem zonas de silêncio que devem ser preservadas, como o entorno de parques. Há também tem uma lei para fazer o mapa de ruído, e alguns trechos já foram feitos.

Em Portugal, as câmaras municipais são as responsáveis por lidar com o barulho. O zoneamento não deve permitir que tenha uma via barulhenta onde há convívio de pessoas. Se acontecer, deve-se instalar barreira acústica. Quando uma via é construída perto de residências, o empreendedor responsável terá que instalar barreira acústica. “Aqui a gente não consegue nem o pavimento silencioso, imagine a barreira acústica, que é uma obra mais cara”, comenta o pesquisador.

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