Estresse gerado por desmame precoce pode ter efeitos permanentes no indivíduo adulto

Além de consequências imediatas, interromper amamentação pode modificar genes ligados à digestão e resultar em disfunções gastrintestinais

Imagem: Biotério Central UFSC

Para muito além de importâncias nutritivas do leite, o aleitamento materno difunde seu papel fundamental também para a formação de órgãos essenciais desde o nascimento. A partir da linha de pesquisa sobre o papel da amamentação, a professora Patrícia Gama, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, estudou, especificamente, os efeitos do desmame precoce no desenvolvimento gastrintestinal, alguns dos quais são carregados à vida adulta.

Para a investigação dessa influência, estabeleceu-se um modelo experimental que ajuda a entender o conceito do desmame precoce. Criou-se um padrão em que animais de laboratório – ratos do tipo Wistar – são afastados da mãe 6 dias antes do período ideal de desmame, que é de 21 dias após o nascimento. A partir do 15º dia, então, o filhote passa a ser alimentado com uma dieta sólida.

Com isso, observou-se uma série de modificações no estômago, onde há uma alteração nas enzimas e moléculas protetoras do muco, gerando possíveis disfunções relacionadas à digestão. Segundo a professora, uma das principais descobertas foi que essas células permanecem modificadas no indivíduo adulto, enquanto outras mudanças são reequilibradas pelo organismo. O estudo do intestino está se iniciando agora, mas também já aponta alterações.

É interessante analisar que, muitas vezes, desconfortos gastrintestinais tidos como comuns passam batido, afirma Patrícia: “como a gente se alimenta o tempo inteiro, temos diversos sintomas ligados à digestão nos quais, muitas vezes, a gente não presta atenção”. Mais do que isso, o questionamento que fica é a respeito da propensão a um incômodo causada diretamente pelo desmame. “Às vezes sentimos algo e dizemos ‘Eu comi alguma coisa que me fez mal’. Mas até que ponto o tempo de amamentação faz com que esse indivíduo seja mais predisposto a ter esses problemas funcionais gástricos e intestinais?”, questiona.

Uma consequência causada ao organismo por causa da mudança de dieta do leite para a ração é o estresse gerado – e uma resposta a ele. Imediatamente após a separação, até o 3º dia pós-desmame precoce (ou o 18º dia de vida), o filhote tem um aumento da produção de corticosterona e uma mudança nos receptores desse hormônio, o que acaba levando a uma situação de grande quantidade de hormônios livres, sem haver a compensação deles naquele momento. Um dos resultados observados é que a substituição abrupta da dieta gera uma resposta de crescimento do estômago, que adquire o tamanho de uma mucosa gástrica de um animal de 30 dias, cerca de 12 dias mais velho.

Mas o que se observa, ao longo do crescimento do rato, é que, a princípio, trata-se de um efeito momentâneo, que não se alonga. A situação vai se reequilibrando, e as consequências posteriores são estudadas. “Aparentemente a resposta de estresse foi contornada ali de alguma forma, mas aquilo que aconteceu de imediato marcou alguns genes [relacionados à digestão], gravou uma modificação que se arrasta até a vida adulta”, explica a professora.

Ou seja, um filhote que passou pelo trauma do desmame precoce e teve um aumento acelerado do estômago tem, quando adulto, uma mucosa do mesmo tamanho do indivíduo adulto que mamou normalmente.

O que se pretende estudar, agora, são as possibilidades de ter sido criado, no organismo afetado, um quadro propenso a reativar o crescimento da mucosa gástrica, ou a gerar um desenvolvimento tumoral. A reação poderia surgir a partir da exposição a uma situação adversa, por exemplo, a algo que induza a uma lesão e que possa estimular genes que foram alterados.

A importância do não

Ainda existe muito a ser investigado, já que os estudos tiveram início no segundo semestre deste ano. Por agora, além dos resultados de modificação em genes e células da mucosa gastrintestinal, o que fica são as descobertas inesperadas que representam mais do que resultados negativos para a ciência. O reequilíbrio da proliferação do estômago em um animal adulto representa também um resultado importantíssimo.

A professora pontua que esse reequilíbrio impede o desenvolvimento imediato de algumas doenças, ulcerações ou uma pré-disposição a um tumor. E por isso é importante, considerando que boa parte da população não teve a amamentação no tempo certo, que é de 6 meses. “O não dar uma resposta é super importante, e a gente tem que relatar isso também. Se não a gente fica só numa ciência de resultado positivo”. Um resultado tão válido quanto qualquer outro: “Ainda bem, por exemplo, que essa alteração é contornada num indivíduo adulto, porque se não a parte da população poderia ter graves problemas”, conclui Patrícia.

O grupo planeja, futuramente, ampliar a análise para parâmetros humanos, tanto de bebês quanto de adultos. Assim, pretende-se confirmar (ou não) “se os efeitos induzidos na infância se estendem e podem levar a alguma predisposição para alguma doença ou condição, em termos nutricionais”.

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