Radiotelescópio Bingo será capaz de analisar a parte escura do universo

O Radiotelescópio Bingo será instalado na Serra do Urubu. Imagem: IFUSP

Antes mesmo de descobrir o fogo e inventar a roda, o ser humano já se fascinava pelo Universo. Observava-se o céu e tinha-se vontade de entender o que é e como funciona tudo aquilo que nos rodeia. Desta vontade, surge o Bingo, um radiotelescópio que tem como objetivo estudar a parte escura do Universo.

Ele está sendo desenvolvido em parceria com universidades do mundo todo (mais especificamente, Brasil, Reino Unido, Suíça, Uruguai, França, África do Sul e China). A coordenação do projeto é feita pelos professores Elcio Abdalla (do Instituto de Física, IF, da USP), Carlos Alexandre Wuensche (do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe) e Luciano Barosi de Lemos (da Universidade Federal de Campina Grande UFCG)

Bingo é uma sigla para Baryon Acoustic Oscillations in Neutral Gas Observations, que em português seria: Observações de Gás Neutro das Oscilações Acústicas Bariônicas, através dessas oscilações, a parte escura do Universo poderá ser estudada. Mas, para entender o que são oscilações acústicas bariônicas e o que é a parte escura do Universo, é necessário voltar um pouco no tempo.

Cerca de 30 anos atrás, a verdade mais aceita pelos cientistas era de que o Universo surgiu como 75% de hidrogênio, 25% de hélio e, todo o resto, foi formado nas estrelas. Porém, duas descobertas mudaram completamente o rumo da astrofísica.

Primeiro, foram observados certos objetos girando em torno da Via Láctea (galáxia na qual está o planeta Terra). “Não se sabia exatamente o que eram esses objetos, mas a força que fazia com que eles girassem era maior do que a massa da galáxia”, explica Elcio Abdalla. Por exemplo, a Terra gira em torno do Sol devido à atração gravitacional, isso significa que esta força do Sol atrai a Terra e vice versa, fazendo com que o planeta gire a uma velocidade de aproximadamente 107 mil quilômetros por hora.

Mas se a Terra também tem força gravitacional, por que é ela quem gira em torno do Sol e não o contrário? Isso acontece pois a força gravitacional do Sol é muito maior que a da Terra. Afinal, a massa do Sol é maior em cerca de 332 900 vezes. Portanto, força gravitacional está diretamente relacionada com massa. Do mesmo modo, é a Lua quem gira em torno da Terra, e não o contrário, porque a massa da Terra é muito maior que a da Lua (81,3 vezes maior).

O problema que os cientistas enfrentaram na década de 90 se deu porque o objeto observado em volta da galáxia girava muito rapidamente. Essa velocidade era maior do que

a que seria possível apenas devido a quantidade de massa conhecida. Ou seja, para que fosse possível um objeto girar tão rápido, deveria existir muito mais massa do que os seres humanos conseguem ver. “O Universo é mais pesado do que se imaginava, cerca de 5 vezes mais pesado”, conclui o professor.

A outra descoberta parte do pressuposto de que, desde o Big Bang, o Universo está em expansão. A princípio, os cientistas acreditavam que essa expansão está desacelerando. Por exemplo, imagine que você arremessou uma bola para longe, primeiro, ela acelera e, depois de um certo tempo (quando a energia com a qual você a arremessou esgota) ela continua se locomovendo para frente, mas em uma velocidade cada vez menor, desacelerando.

Acreditava-se que o Universo estava em expansão desde o Big Bang (explosão que deu início ao Cosmo), mas em processo de desaceleramento. Entretanto, um objeto espacial chamado “vela-padrão” provou o contrário. Vela-padrão é um tipo de estrela supernova conhecido, acontece quando duas estrelas estão girando juntas (uma em torno da outra) e uma das estrelas está constantemente jogando massa em cima da outra. Isto é, uma está ficando maior e outra menor.

Esse processo acontece até que aquela que estava recebendo massa atinge um certo limite conhecido e explode. Esse episódio é chamado de “vela-padrão” porque todas as características sobre essas estrelas são conhecidas (a massa, a velocidade, o limite em que ela explode). “Sabendo disso, foi possível comprovar que a expansão do Universo está acelerando”, explica Abdalla.

Ou seja, imagine a superfície de uma bexiga de borracha. O planeta Terra está em uma extremidade e uma determinada vela-padrão está em outra extremidade. Quanto mais a bexiga enche, mais longe os dois pontos ficam e, quanto mais rápido a bexiga enche, mais rápido é esse distanciamento. É assim com o Universo, quanto mais ele expande, maior era a distância entre o planeta Terra e essa determinada vela-padrão. A descoberta, no entanto, era que essas estrelas estavam se afastando cada vez mais rapidamente, ou seja, o processo de expansão do Universo está acelerando.

Após uma série de estudos se concluiu que há um certo tipo de matéria, chamada energia escura, que corresponde a 70% do Universo e é responsável por esses fenômenos.  É ela que faz com que o Universo seja mais pesado do que imaginava-se e com que o processo de expansão esteja acelerando. “O radiotelescópio Bingo pretende estudar essa energia escura, descobrir se ela tem estrutura interna, do que é feita, entre outros fatores”.

Além da energia escura, existe também a matéria escura. Não se sabe exatamente o que ela é, mas se prevê que seja uma espécie de líquido transparente invisível aos olhos, que deixa passar toda luz e está no meio das galáxias. A matéria escura corresponde a 25% do Universo. Sendo assim, a parte do Universo que observamos do Universo corresponde apenas à 5% dele, os outros 95% (energia escura + matéria escura) correspondem ao Universo Escuro que o Bingo vai estudar, do qual ainda não se tem muita informação.

As informações sobre a parte escura serão colhidas através das oscilações acústicas bariônicas. Isto é, antes da explosão do Big Bang a temperatura era muito elevada, portanto toda matéria do Universo, além de concentrada, estava extremamente agitada. “Por esse motivo, os bárions e a radiação colidiam constantemente entre si, e o resultado dessas colisões era a formação de ondas gigantescas, com tamanho de 500 milhões de anos-luz”. Essas ondas (chamadas de primordiais, porque foram formadas no início do Universo) eram tão grandes que para percorrer todo o tamanho delas, na velocidade da luz, levaria cerca de 500 milhões de anos.

“Após a explosão, quando a temperatura baixou e as partículas pararam de colidir entre si, essas ondas ficaram congeladas, ou seja, ainda se movimentam pelo Universo, mas sem se distorcer”. São as chamadas oscilações acústicas de bárions (BAO) e existem incontáveis delas pelo Universo. Elas se movimentam junto com a matéria, é como uma onda no mar. Imagine que a matéria é a água, quando uma onda passa, toda a matéria se movimenta também. No caso do Universo, inclusive a matéria escura.

Desse modo, olhando para as oscilações acústicas de bárions através do radiotelescópio é possível analisar a distribuição da matéria. Isso acontece porque essas ondas primordiais são uma perceção da quantidade de massa que tem em determinado espaço Se tem muita massa haverá muitas ondas e, consequentemente, chega mais informação aos receptores do Bingo. Se a parte escura do Universo tiver alguma estrutura, isso será detectado.

O radiotelescópio terá 50 cornetas (ver imagem abaixo) espalhadas pelo país, que funcionarão como receptores. Cada uma possui angulação diferente da outra. Por exemplo, uma corneta vai receber uma certa radiação de uma parte do Universo, outra corneta recebe uma radiação duas vezes maior, isso significa que a fonte de energia é duas vezes maior. “Quando esse processo é feito pelas 50 cornetas, as radiações são captadas, as informações processadas e, então, é possível distinguir regiões nas quais a fonte de energia é mais forte, outras nas quais é mais fraca e, por fim, analisar a distribuição de matéria no espaço”, explica o professor.

 

As cornetas possuem dimensões de 1,9 x 1,9 x 4,3 metros cada e serão formadas por anéis de alumínio. Imagem: IFUSP

O radiotelescópio será construído na Serra do Urubu, região de Aguiar, no Estado da Paraíba, a 225 quilômetros de Campina Grande e 337 quilômetros de João Pessoa. A escolha deste local levou em consideração a análise de sinais de interferência eletromagnéticas, a região deveria ser livre destes ruídos. O Bingo será formado por dois espelhos refletores, com cerca de 48 e 32 metros e as cornetas. Os sinais captados nos espelhos são traduzidos e tratados pelos receptores presentes nas cornetas e transmitidos via internet em tempo real aos pesquisadores do projeto no mundo todo.

 

O Radiotelescópio sera formado por dois espelhos refletores. Imagem: IFUSP

 

O início da construção está previsto para o começo de 2019 e, em 2020, espera-se que o radiotelescópio esteja pronto. O orçamento completo do projeto é em torno de R$ 23 milhões de reais, e foi financiado principalmente pela Fapesp. No Brasil, cinco professores e cerca de 25 estudantes estão envolvidos com o projeto.

Além de observar a parte escura do Universo, sua principal função, o radiotelescópio também poderá observar um fenômeno chamado Fast Radio Burst. Isto é, em 2007, um grupo de pesquisadores da Austrália estava observando ondas do universo. Inesperadamente, eles captaram um fenômeno que seria como um pico de energia. A princípio acharam que era alguma interferência do laboratório, mas quando observaram com mais detalhe perceberam que aquele sinal era recebido de muito longe. “Vinha de tão longe que, para ter tamanha intensidade ainda hoje, depois de tudo que passou pelo estado e dos bilhões de anos luz que viajou, teria sido emitido da maior fonte energética de todo Universo”, afirma Abdalla.

Nos últimos 10 anos, estes fenômenos foram observados cerca de 20 vezes. Ao que tudo indica, o Bingo será capaz de observar um a cada duas semanas. “Futuramente, vamos poder fazer modelos muito mais detalhados sobre o Fast Radio Burst. Isso pode ter uma consequência astrofísica gigantesca, esses eventos que ocorrem são provavelmente os maiores do Universo e a gente ainda não sabe o que são”.

Para observar esses fenômenos, será colocado um par de cornetas um pouco menores (além das outras 50 do projeto). Separadas por vários quilômetros de distância, elas serão responsáveis apenas por detectar os fenômenos. “Será possível ver de que direção esse sinal está chegando e também, eventualmente, detectar outras características”.

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