Estudo quer descobrir nível de contaminação de tartarugas

Primeira pesquisa realizada com fêmeas adultas vivas no Brasil e com seus ovos simultaneamente tem como objetivo avaliar a transferência maternal dos poluentes

Tartaruga-verde botando os ovos na Reserva Biológica do Atol das Rocas (RN), um dos lugares de coleta do trabalho. Imagem: Luciana Saraivo Filippos.

Um estudo realizado no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo tem como tema central descobrir quanto e de que maneira as tartarugas marinhas estão sendo contaminadas pelo homem. A tese de doutorado de Luciana Saraiva Filippos, que ainda está em andamento, se propõe analisar a transferência maternal de poluentes persistentes orgânicos em três espécies de tartarugas: a verde, a oliva e a cabeçuda.

Luciana conta que a ideia para a tese veio tanto do seu interesse pelo estudo de poluentes, quanto pelo amor por tartarugas. Ela logo percebeu que havia uma grande lacuna nos estudos desses dois fatores combinados. O trabalho consiste em avaliar se esses poluentes persistem nas fêmeas dessas três espécies, e de que maneira podem ser transmitidas para os seus filhotes através da análise dos seus ovos. “De uma maneira geral, é ver como está a contaminação desses animais e dos ovos e a transferência maternal”, conta a pesquisadora.

Poluentes Orgânicos Persistentes

Um dos objetivos do estudo é detectar se há presença de Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) nas tartarugas marinhas, mesmo que em pequenas quantidades. Esses poluentes em especial são substâncias químicas feitas pelo homem, ou seja, que não existem no ambiente natural. São chamados de persistentes pois ficam no meio por muito tempo, são resistentes à degradação, e quando degradam podem transformar-se em outros compostos também tóxicos.

Um dos poluentes orgânicos persistentes mais conhecidos é o chamado DDT (diclorodifeniltricloroetano). Seu uso indiscriminado pós Segunda Guerra Mundial, principalmente por países desenvolvidos, se deu pela capacidade de atuar contra pragas e até mesmo contra epidemias de doenças como a malária e a febre amarela, além de ter um custo baixo. Por ser um composto persistente, não é necessária sua reaplicação por longos períodos de tempo.

Em 1962, a bióloga e pesquisadora norte-americana Rachel Carsol compilou dados dispersos na literatura sobre esses poluentes. Ela lançou, neste ano, o livro “Primavera Silenciosa” que falava dos impactos do uso do DDT, como a morte de pássaros. (“Primavera silenciosa vem justamente do fato dos pássaros pararem de cantar, pois morreram). Com isso, verificou que a presença de DDT trazia malefícios para o ambiente, tanto que aves estabelecidas próximas a grandes centros de aplicação do pesticida passaram a botar ovos de casca tão fina que acabavam quebrando antes do tempo, causando desequilíbrios ecológicos. Também descobriu que a incidência de alguns cânceres em seres humanos muitas vezes estava diretamente ligada ao contato com o composto. Esse foi o primeiro alerta sobre os tais poluentes. O livro é considerado um marco para o movimento ambientalista. Graças a sua repercussão, o DDT foi banido dos EUA 10 anos depois.

Diversos outros estudos se seguiram para comprovar as desvantagens dos POPs, até que em 2001, durante a Convenção de Estocolmo, acordos foram feitos entre diversos países para controlar o uso de 12 desses poluentes, o que passou a valer em 2004. Atualmente essa lista se estendeu para outros compostos que também são de alguma forma prejudiciais para o planeta.

Espécies Sentinelas

Luciana explica que escolheu as tartarugas para o seu estudo – além da paixão pelo animal – por se tratar de uma espécie sentinela. Ela carrega essa classificação por ser um animal migrante, por isso pode ser utilizada como indicador marinho de certo ambiente, já que percorre e se alimenta em diversos locais.

No Brasil, foram realizados apenas outros quatro estudos para detectar POPs em tartarugas marinhas. Porém, o estudo de Luciana se difere já que os anteriores foram feitos apenas com uma única espécie – na maioria das vezes apenas com a tartaruga verde – e somente com carcaças encalhadas na praia. “Eu queria ter a ideia de como estava a situação dos indivíduos vivos. Por isso acabei usando sangue” ela explica.

A escolha das espécies de estudo também não foi aleatória. Foram levados em consideração tanto os hábitos dos animais, quanto a logística de coleta. A tartaruga-verde foi escolhida porque, quando adulta, é herbívora e se encontra mais próxima da costa. A tartaruga-cabeçuda, por se alimentar majoritariamente de organismos bentônicos (comunidade de organismos que vive no substrato dos ambientes aquáticos), pode ser considerada carnívora e se encontra um pouco mais distante da costa. Por fim, a tartaruga oliva também é considerada carnívora, mas foi escolhida pelo fato de ser mais fácil de ser encontrada quando comparada a outras espécies.

Trabalho de Campo

A coleta foi realizada em lugares distintos da costa brasileira: o Atol das Rocas e o litoral da Bahia e Sergipe. O atol fica entre o litoral de Natal e a ilha de Fernando de Noronha, no meio do Atlântico. Lá foram coletadas as amostras da tartaruga verde, por ser o segundo maior lugar de reprodução da espécie. Luciana conta que ficou cerca de três meses no local fazendo a coleta. Já para a tartaruga-cabeçuda, o principal lugar de desova é o litoral norte da Bahia e para a tartaruga-oliva, também o litoral norte da Bahia e de Sergipe. O apoio para o estudo veio tanto do Projeto Tamar, quanto da Reserva Biológica do Atol das Rocas.

Em ambos os locais a logística era parecida. Um grupo de pesquisadores e guias, entre eles Luciana, realizava patrulhas noturnas, caminhando na praia a procura de rastros. Às vezes tinham a sorte de encontrar as tartarugas botando seus ovos. Monitoravam-nas de longe até começarem a desovar. “Nesse momento elas entram numa espécie de transe, é um momento em que elas se incomodam menos com você, uma vez que ela já começou a colocar os ovos. E aí a gente abordava as fêmeas” conta. Após a identificação do animal, era realizada a coleta do sangue. Monitoravam também os ninhos, e quando viam que todos os filhotes já haviam nascido coletavam os ovos não eclodidos para análise em laboratório. “Nos dois lugares eram parecidos: patrulha noturna, coleta de sangue e depois monitorar, esperar o ninho nascer e coletar os ovos não eclodidos” resume a pesquisadora. Foram analisados cerca de 20 indivíduos de cada espécie. Uma das dificuldades foi encontrar números suficientes de ovos não eclodidos. “A ideia é não interferir, por isso trabalhar só com ovos que realmente não tenham se desenvolvido”.

Luciana coletando as amostras da tartaruga-verde na Reserva Biológica do Atol das Rocas (RN). Imagem: Karoline Ferreira

O método de análise – que ainda está sendo otimizado em laboratório – utiliza o plasma do sangue recolhido. Ela conta sobre a dificuldade e a demora de chegar ao melhor método possível, uma vez que o trabalho é feito com concentrações muito baixas. É necessário buscar indicadores extremamente sensíveis.

Transferência maternal

Estudos prévios já comprovaram que a transferência maternal de poluentes pode acontecer. No caso das tartarugas, eles entram no organismo preferencialmente pelos alimentos. Isso faz com que, ao construírem suas reservas de gorduras, estoquem junto esses poluentes em seus corpos. O processo de gerar ovos demanda muita gordura do animal, então esses poluentes acabam indo também para a produção do ovo, mobilizando as gorduras contaminadas para os seus componentes. Esses compostos apresentam grande afinidade com gorduras em geral. Acredita-se que dessa forma ocorre a transferência maternal. Estudos com golfinhos comprovaram o mesmo processo, só que passado pelo leite da fêmea para o filhote.

Sabe-se que esses poluentes podem causar problemas nervosos, interferir na parte de metabolismo e de hormônios, deixar o organismo mais debilitado e atuar até mesmo no sistema imunológico. “Os estudos mostraram que, como a fêmea tem essa capacidade de transferir para a cria, querendo ou não ela acaba tirando um pouco da carga de contaminantes que ela possa ter do corpo aos poucos. O macho já não. Ele fica com os poluentes para si já que ele não produz ovos. Ele vai só acumulando cada vez mais esses contaminantes” ressalta Luciana. E complementa “Acredito que pode interferir, mas a gente ainda não tem o conhecimento para saber o quanto que isso pode ser prejudicial. A gente precisa de mais estudos sobre o assunto”.

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