Painel de genes ligados ao câncer de mama familial pode ser ampliado e favorecer detecção de risco à doença

Número reduzido de médicos geneticistas e entraves ao aconselhamento genético multiprofissional prejudicam atendimento à pacientes

O câncer sempre é causado por alterações genéticas, normalmente acumuladas ao longo da vida, mas, em alguns casos, estas são transmitidas de pais para filhos. Imagem: Revista Saúde

Cerca de 60 mil novos casos de câncer de mama são estimados para os anos 2018 e 2019 no Brasil, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca). Ainda que a maioria dos quadros da doença – a mais comum entre o público feminino do mundo depois do câncer de pele do tipo não-melanoma –  estejam associados ao acúmulo de alterações genéticas ao longo da vida, calcula-se que em torno de 5% a 10% dos afetados herdaram as mutações responsáveis por ela: trata-se do câncer de mama familial ou hereditário.

Esses pacientes estão inseridos, frequentemente, em famílias que apresentam dois ou mais parentes próximos diagnosticados com o câncer de mama, como uma mãe e duas filhas, por exemplo. Nessas linhagens, a predisposição genética faz com que o risco da doença seja maior do que o da população em geral, sendo que o histórico familial de tumores pode envolver, também, outros tipos de câncer relacionados, como o de ovário e o de próstata.

Gabriel Bandeira do Carmo, pesquisador do Instituto de Biociências (IB) da USP, estudou por dois anos os genes e as alterações na sequência do DNA associados ao câncer de mama familial. Além da relevância da doença entre o público feminino, a concentração de casos de tumor em sua família o levaram a dissertação Estudo de genes e variantes genéticas associadas ao câncer de mama familial: impactos no aconselhamento genético.

“Quando surgiu a oportunidade do mestrado, também me interessei pela questão da genética do câncer por conta do meu irmão, que teve câncer no sistema linfático aos 24 anos, e a minha avó, que teve câncer de mama aos 64”, conta.

Não é sempre, porém, que um caso de câncer inserido em uma família com histórico de tumores pode ser considerado hereditário. Esse é, na realidade, um cenário relativamente raro, uma vez que a maior parte dos cânceres são tidos como esporádicos, sem o envolvimento de mutações herdadas do pai ou da mãe do indivíduo. O pesquisador esclarece que como, em média, estima-se que uma a cada três pessoas no mundo que chegam aos 70 anos terão câncer, as famílias que têm entre 10 e 20 pessoas poderão apresentar, aproximadamente, um ou mais casos da doença, e estes, por sua vez, não estarão necessariamente vinculados a um padrão hereditário.

Alterações genéticas

Sabe-se que as principais causas de aumento de risco para o desenvolvimento do câncer de mama são as mutações nos genes denominados BRCA1 e BRCA2. Entretanto, é estimado que apenas 5% dos casos da doença estejam relacionados a essas alterações genéticas. Para Gabriel Bandeira, a necessidade de pesquisar outros genes associados à patologia é uma noção bastante clara entre os pesquisadores da área. A grande questão é: quais genes pesquisar?

Para responder a pergunta, sob orientação do professor Oswaldo Keith Okamoto, do Laboratório de Genômica Translacional do IB-USP, o pesquisador realizou uma revisão bibliográfica de mais de 100 publicações disponíveis em bancos de artigos sobre mutações que poderiam estar vinculadas à doença. A partir disso, identificou 45 genes relacionados ao aumento de risco para o câncer de mama.

Existem testes genéticos que avaliam vários genes relacionados a uma doença ao mesmo tempo. No caso do câncer de mama, esses testes – conhecidos como painéis genéticos – conseguem fazer a avaliação simultânea de cerca de 20 a 30 deles. Quanto maior for o número de genes do painel, mais ampla é a análise e mais provável se torna a identificação da causa genética responsável pelo aumento de risco da doença no paciente.

O geneticista alerta, porém, que esses testes mostram a predisposição hereditária ao câncer de mama, mas uma pessoa que apresenta alguma mutação em um gene que aumenta o risco para a doença não vai, necessariamente, desenvolvê-la ao longo da vida. “Predisposição não é igual a certeza”, completa.

Visando a atualização dos genes estudados nesses painéis, Gabriel Bandeira também comparou múltiplos testes oferecidos por laboratórios do Brasil, Estados Unidos e de países da Europa Ocidental. Dos 45 genes com associação estatística ao câncer de mama familial identificados por meio da revisão bibliográfica, ele chegou à conclusão de que 18 deles têm, também, presença frequente de avaliação nesses testes, tanto brasileiros quanto internacionais.

O pesquisador identificou, ainda, dos 27 genes restantes que não eram frequentemente avaliados pelos painéis genéticos, nove que poderiam ajudar a compor uma possível lista atualizada de genes a serem pesquisados para estimar o risco hereditário de câncer de mama. A análise foi feita por meio de programas de informática –análise in silico e os critérios de seleção para chegar à relevância desses últimos genes foram as funções desempenhadas na célula, a interação entre eles e a contribuição para o aumento do risco da doença.

Na população brasileira

No Brasil, as pesquisas que avaliam genes em pacientes que têm câncer de mama são raras, de acordo com o pesquisador. Ele conta que nos Estados Unidos e na Europa, por exemplo, existem estudos mais amplos com milhares de pacientes, permitindo avaliar de forma mais detalhada a variação genética nessas populações. Gabriel avaliou 79 resultados de testes genéticos de mulheres diagnosticadas com o câncer de mama e histórico familial dessa doença, realizados no Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco do IB-USP.

“Em nosso país, um estudo que avalia diversos genes associados ao risco hereditário de câncer de mama em 79 pacientes já é algo significativo, e o nosso objetivo com ele era entender a variabilidade genética da população brasileira em relação aos genes associados ao câncer de mama familial”, explica.

A avaliação mostrou que as frequências de mutações para genes associados ao câncer de mama familial nesse grupo de pacientes brasileiros são semelhantes às encontradas em estudos internacionais. O resultado indica, então, que a população brasileira e as populações dos EUA e países da Europa Ocidental compartilham mutações semelhantes para a doença.

Na prática, isso significa que, provavelmente, os exames que funcionam bem para essas populações internacionais também podem funcionar bem para a população brasileira, e vice-versa.

Estratégias de prevenção

No caso do paciente possuir um risco hereditário de câncer de mama, a antecipação da idade de início dos exames de detecção – mamografia e ressonância magnética –, as cirurgias profiláticas – retirada dos tecidos mamários que apresentam maior probabilidade de desenvolver o tumor – e a indicação de medicamentos são as principais opções de manejo clínico apresentadas aos pacientes. É possível, também, informar os riscos do próximo filho vir a apresentar não somente a mutação, mas o câncer – é o chamado risco de recorrência.

O pesquisador ressalta que, hoje, entre as alternativas de reprodução assistida sugeridas a esses pacientes, existem, também, tratamentos capazes de avaliar a presença de mutações em embriões. Os dias iniciais do desenvolvimento de um embrião, que aconteceriam no interior do útero da mãe, se dão em ambiente laboratorial controlado. Por meio da análise de células embrionárias, é possível saber quais deles têm as mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, por exemplo. “Você consegue dar para aos pais a opção de implantar somente os embriões que não possuem a mutação responsável por causar a doença na família”, explica.

Gabriel Bandeira acredita que as alterações genéticas que têm potencial de aumentar o risco do câncer de mama familial identificadas em seu estudo podem favorecer, então, o aprimoramento dessas estratégias de prevenção à doença, com impactos significativos sobre o aconselhamento genético oferecido aos pacientes afetados e seus familiares.

“O ideal de detecção do câncer é sempre no início, porque as chances de cura são muito maiores. Um tumor diagnosticado em estágio inicial, por exemplo, em que a célula ainda não apresenta muitas alterações, pode ser tratado e a possibilidade de cura é maior do que 90%”, alerta.

Aconselhamento genético

O trabalho do pesquisador foi realizado no programa de pós-graduação de Mestrado Profissional em Aconselhamento Genético e Genômica Humana, oferecido pela Universidade de São Paulo.

O aconselhamento ou assessoramento genético – como prefere Gabriel – é um serviço cujo objetivo é ajudar o paciente a entender e se adaptar às implicações médicas, psicológicas e familiares relacionadas às consequências genéticas de uma doença de caráter hereditário. “Não se trata de um atendimento diretivo, em que o profissional vai ordenar a uma mãe que ela não tenha mais filhos, por exemplo. As pessoas precisam ser informadas para tomarem decisões próprias, de acordo com seus valores pessoais”, esclarece.

O Instituto de Biociências da USP criou o primeiro serviço de aconselhamento genético do país, em 1969. Gabriel Bandeira conta que, inicialmente, eles ficavam concentrados nos centros de pesquisas básicas sobre biologia das universidades e, depois, passaram a dividir espaço com os serviços médicos, conduzidos por médicos geneticistas – a genética médica é uma área da ciência recente, em comparação com as demais.

Em 2014, porém, a portaria nº 199 do Ministério da Saúde criou a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, com o objetivo de regulamentar o atendimento de pacientes com patologias consideradas raras, excluindo, nas descrições dos procedimentos, os profissionais não médicos, muitos dos quais com pós-graduação em genética humana, que já realizavam o serviço há anos. Segundo o pesquisador, há apenas cerca de 300 médicos geneticistas no país, sendo que a maior parte provavelmente está concentrada na região sudeste.

“Os médicos geneticistas têm um papel chave no diagnóstico clínico, mas, sozinhos, sabemos que eles não vão conseguir atender à demanda de todo o país; e, além disso, aconselhamento genético não é só informar o diagnóstico, daí a importância da participação de equipes de outros profissionais, como psicólogos, biólogos e assistentes sociais”, considera.

Graças à resistência principalmente dos profissionais não-médicos, a portaria foi modificada e passou a incluir esses profissionais no processo, mas a oferta do assessoramento genético pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ainda é muito baixa e restrita, uma vez que o número de serviços credenciados é baixo. Assim, o cenário nacional a esses profissionais que almejam ingressar nesse campo é descrito pelo pesquisador como “nebuloso”. Nesse sentido, ele destaca a importância dos cursos de pós-graduação em aconselhamento genético, que favorecem a formação e inserção de profissionais não-médicos na área, como biólogos e psicólogos, por exemplo.

1 Comentário

  1. Parabéns ao pesquisador Gabriel Bandeira, por toda sua dedicação em ajudar no conhecimento e tratamento de câncer..
    Gracia

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