Cinderela é ferramenta para tratamento de doença neurológica

Pesquisa avalia discurso de pacientes com afasia, uma das consequências mais comuns do AVC

Dados do DATASUS indicam que houve 170 mil casos de internações hospitalares por AVC no Brasil em 2016/Foto: Pixabay (www.pixabay.com)

Segundo dados do Hospital Israelita Albert Einstein, no Brasil mais de 150 mil pessoas são vítimas da afasia por ano. Essa condição afeta a capacidade da vítima de se expressar e entender a linguagem escrita ou falada, e geralmente decorre de acidentes vasculares cerebrais (AVC). No entanto, o uso de histórias como a da Cinderela para avaliar o discurso de pacientes afásicos é capaz de diferenciar os tipos da doença, além de contribuir para a evolução em seu tratamento. Foi o que apontou a pesquisa de Gabriela Silveira, do Departamento de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da USP (Fofito).

Intitulada Narrativas produzidas por indivíduos afásicos e cognitivamente sadios: análise computadorizada de macro e micro estrutura, a dissertação de mestrado comparou a capacidade discursiva de pacientes com diferentes tipos de afasia e de pessoas sem a doença com base na história da Cinderela.

Cinderela foi escolhida por ter um enredo conhecido mundialmente, o que supõe que o enunciador já tenha um certo conhecimento prévio da história. Desse modo, quando o paciente a conta, não é requerido um uso muito grande da memória e da função executiva. Além disso, ela faz parte do “Aphasia Bank”, um banco de dados internacional com análises de discursos dos pacientes com essa doença.

Segundo Gabriela, essa condição compromete muito a qualidade de vida das vítimas, uma vez que podem afetar tanto a macro (sentido global do texto) quanto a micro estrutura do discurso (aspectos mais específicos). “É preciso estudar como eles se comunicam no cotidiano, então o discurso é fundamental na avaliação fonoaudiológica, pois possibilita o estudo de aspectos fonéticos, fonológicos, semânticos, além de ter relação com a cognição”.

O método utilizado para analisar o discurso dos pacientes foram as métricas, medidas que avaliam a incidência de aspectos de micro estrutura, como substantivos, verbos, artigos em uma determinada frase. Desse modo, fatores como a atenção, memória e funções executivas relacionadas ao planejamento das ações do dia-a-dia podem ser prejudicadas. Por essa razão, a utilização do discurso como uma ferramenta na avaliação fonoaudiológica é fundamental, uma vez que abarca todas essas áreas.

Os tipos de afasia são classificados com base em três domínios linguísticos clássicos: compreensão, fluência e repetição. No estudo, foram abordadas a afasia de Broca e a anômica. No caso da primeira, a compreensão é relativamente preservada, há dificuldade de repetir frases e nomear objetos, e a fala não é fluente, com frases que faltam palavras, como verbos, artigos e substantivos. Numa frase como “o menino comprou biscoitos na padaria”, por exemplo, uma pessoa com esse tipo de afasia diria apenas “menino biscoito padaria”.

Já as pessoas com afasia anômica possuem a compreensão relativamente preservada, uma alteração mais leve na fala, porém tem dificuldade de denominar objetos e de acesso lexical na fala encadeada, o que seria acessar o vocabulário quando se está numa conversa. Na frase “o menino foi comprar pão na padaria”, uma pessoa com esse tipo de afasia poderia ter dificuldade para lembrar a última palavra da frase, até que alguém desse uma pista dizendo a primeira sílaba “pa” e ele conseguiria lembrar. Esse é o tipo mais brando de afasia, para o qual os outros tipos mais graves tendem a evoluir.

Métodos e obstáculos

Para avaliar essa evolução, foram realizados dois estudos. No primeiro, os participantes foram divididos em dois grupos: um com afasia e outro sem a doença. A pesquisadora comparou o discurso entre os dois grupos usando como ferramenta a história da Cinderela. Em seguida, foi feita a análise computadorizada tanto de macro quanto de microestrutura.

No entanto, era necessário que o pacientes se comprometessem a realizar todas as etapas do estudo, participando da análise do discurso até seis meses após o AVC, com avaliações no após um, três e seis meses. No entanto, no final, a pesquisadora ficou com apenas oito pacientes, que é uma amostra pequena.

Por conta disso, um segundo estudo foi conduzido, no qual foram estudadas apenas as capacidades discursivas dos indivíduos com afasia. Esses pacientes realizaram as etapas do estudo nos períodos de um, três e seis meses após o AVC. Nesse estudo, verificou-se que o grupo de afásicos tem alteração em macro e micro estrutura e foi possível diferenciar os pacientes com afasia anômica e de Broca, além de haver uma melhora nesses dois aspectos utilizando a história da Cinderela.

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