Saúde Mental de funcionários da USP é negligenciada pela instituição

Ambiente pouco participativo e sobrecarga de trabalho são fatores de adoecimento dos trabalhadores

Funcionários da USP reclamam da verticalização das decisões na universidade, tornando o ambiente pouco saudável (Reprodução/Jornalistas Livres)

Os funcionários da USP não se sentem valorizados no trabalho e veem nas relações socioprofissionais o maior fator de infelicidade em sua rotina. Esse é o pontapé inicial da pesquisadora Ariana Celis na dissertação de mestrado Trabalho, adoecimento e saúde mental na Universidade de São Paulo, em que discute as maiores causas dos pedidos de licença dos trabalhadores da instituição.

Ariana é assistente social e exerce sua função no Serviço Especializado de Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT), mantido pela reitoria. A USP tem que manter esse serviço com uma equipe formada por técnico e engenheiro de segurança, enfermagem e médicos do trabalho. Mas o serviço social não é obrigatório. É uma mostra da cultura empresarial, em que a saúde mental ainda é subjugada.

No SESMT, foi criada uma sessão de qualidade de vida no trabalho que, opina a pesquisadora, ainda carece de uma equipe multidisciplinar. As necessidades de atendimento psicológico e psiquiátrico não são supridas pelo quadro reduzido de funcionários, e são terceirizadas para o Hospital Universitário, Instituto de Psicologia e para o SUS, que também não tem estrutura para suportar a demanda.

O interesse de Ariana pelo tema da pesquisa surgiu com a sua vivência no SESMT em que, na checagem anual dos funcionários, observou o número estrondoso de pessoas adoecendo, muitas por causas mentais. Para sair da observação empírica e coletar dados que comprovassem a tese, a assistente social investiu no programa de mestrado profissional da Faculdade de Odontologia da USP. O estudo ficou ancorado na unidade, mas contava com o apoio de diversas outras áreas de saúde da universidade, como Psicologia, o Departamento de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (FOFITO) e a Saúde Pública, onde é professora contratada.

Celis teve a possibilidade de contar com a multidisciplinaridade necessária na análise dos problemas de saúde dos funcionários, que são motivados por diversas naturezas.

Ariana explica que na primeira etapa colhia dados da plataforma Marte, uma espécie de recursos humanos online da USP. No banco de dados, conseguiu números genéricos de funcionários afastados e qual o CID que contava nos atestados.

CID é a Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ela é usada para identificar tendências e estatísticas de saúde pelo mundo, de forma padronizada, atribuindo códigos às lesões e doenças.

Esse padrão é também levado em conta pelo empregador e pelo Instituto Nacional do Seguro Social. Quando um trabalhador tira uma licença de mais de 15 dias por um problema identificado pelo mesmo CID, seu caso é repassado para o INSS, que passa a pagar o afastamento remunerado se a perícia concordar com o requerimento feito pelo trabalhador.

Mas Ariana buscava a resposta para outra pergunta: do que adoecem os trabalhadores da USP? Quantitativamente, a maior causa de afastamento são as doenças osteomusculares, como artrite, artrose, lordose, fibromialgia e contusões. As que incapacitam os funcionários por mais tempo estão sob o CID F, as doenças da mente.

Em uma segunda etapa, por meio de um formulário, respondido por 679 dos 14 mil funcionários dos campi da universidade, Ariana observou que quase metade das pessoas associavam seu trabalho ao motivo de adoecimento.

Ela traçou o perfil básico socioeconômico, que incluiu idade, gênero e raça com que os questionados se identificavam. A conclusão mostrou que pessoas acima de 50 anos têm mais chances de adoecerem. Especialmente mulheres, negras e sem companheiro.

Esse grupo também é o que mais evita pedir afastamento, por não poder lidar com os revezes da burocracia do INSS.

Recorrendo a Lei da Transparência, Ariana pediu a quebra do sigilo de pedidos negados pela perícia do Instituto, que alegou só ter dados dos requerimentos aceitos. Mas fica claro que especialmente doenças de fundo mental, que dependem não só de tratamento químico, mas também terapêutico, tem um diagnóstico mais delicado e por isso são mais facilmente negadas por órgãos públicos. Caso seja atestado pelos responsáveis que o funcionário estava em condições de trabalho, ele fica sem o pagamento dos dias de licença.

A pesquisadora enfatiza a necessidade de ambientes de trabalho que estimulem seus funcionários. Entre as principais reclamações dos trabalhadores estava a verticalização das decisões, em que se sentem excluídos e meras peças da universidade. Além disso, com os Programas de Demissão Voluntária (PDV), houve uma redução do quadro de funcionários e sobrecarga de alguns setores. O acompanhamento se prolongou de 2012 a 2016 e não houve redução proporcional no número de afastamentos, mostra de um agravamento das condições analisadas.

O mestrado profissional prevê a apresentação de um produto, e Ariana propôs um grupo interdisciplinar que pense em uma política de saúde mental para a universidade. Até o momento não houve devolutiva da reitoria.

Em seu doutorado, que está desenvolvendo na área de Serviço Social na PUC-SP, a pesquisadora pretende explorar um conceito ainda não desenvolvido academicamente no país, o boreout. Paradoxo do conhecido burnout, esgotamento já considerado pela OMS um acidente de trabalho, a síndrome é atribuída ao “tédio” do funcionário, não só por pouca carga de trabalho, mas também por atribuição de funções em que ele não enxergue significado e se sinta subaproveitado. É o caso, por exemplo, de trabalhadores com nível superior empregados no nível técnico. Na França, já houve condenação de uma empresa por um caso do tipo. O empregador queria que o funcionário se demitisse e para isso o deixou ocioso. A condição causou problemas de saúde e motivou um processo, que teve ganho de causa na justiça europeia.   

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