Programa reconhece personalidade através de textos das redes sociais

Ferramenta desenvolvida por grupo da USP pode ajudar a traçar características de usuários a partir da inteligência artificial

A pesquisa utilizou postagens em redes sociais para associar tipos de personalidade a estilos de escrita. Foto: Pexels

Com a grande variação na linguagem humana, cada vez mais diversa, os modelos computacionais teriam que ser, de alguma forma, capazes de incorporar essas diferenças. Foi a partir desse questionamento que o pesquisador Ivandré Paraboni, doutor em Ciência da Computação pela University of Brighton e docente da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, iniciou sua pesquisa.

De início, a relação entre a linguística e a ciência da computação pode não parecer muito usual. De acordo com Ivandré, entretanto, essa área da computação, chamada Processamento de Língua Natural, existe há bastante tempo, mas começou a crescer em anos recentes com o surgimento da web. Também conhecida como Linguística Computacional ou PLN, a área estuda a geração e compreensão automáticas de línguas humanas naturais por sistemas computacionais, sendo as ferramentas de tradução instantânea, como o Google Tradutor, um exemplo clássico das aplicações desta área em nosso dia a dia.

O professor trabalha na área há mais de vinte anos, e foi em meio a um projeto que seus questionamentos acerca das diferentes formas de comunicação e do reconhecimento destas pelos modelos computacionais começaram. A partir disso, surgiu o interesse de utilizar a personalidade como uma possibilidade de explicação para as distinções entre as maneiras de se expressar. Através dessa multidisciplinaridade, o objetivo da pesquisa passou a ser o de desenvolver uma ferramenta computacional que examina textos publicados nas redes sociais e, a partir dessas informações, deduz os traços de personalidade da pessoa que escreveu.

O primeiro passo para desenvolver a pesquisa foi produzir um inventário de dados que pudesse ser utilizado no desenvolvimento da ferramenta. De acordo com Ivandré, essa parte inicial foi derivada de um trabalho de mestrado de uma aluna. Ela elaborou um aplicativo no Facebook em que o usuário poderia responder um questionário de 44 perguntas, derivado de um instrumento da psicologia que divide a personalidade humana em 5 dimensões. A partir dessas perguntas, ele recebe como resposta informações sobre sua personalidade: se é mais introvertido, extrovertido e assim por diante. Simultaneamente, mediante autorização prévia da pessoa, o aplicativo obtém uma cópia de todas as suas postagens, ou seja, sua timeline. Esse processo facilitou a obtenção de dados, já que obtiveram, para cada pessoa que se dispôs a ajudar e responder as perguntas, suas postagens e o questionário que detectava sua personalidade.  

Esse trabalho colaborou muito com a pesquisa, já que, de acordo com Ivandré, a coleta de dados tende a ser um obstáculo. Isso ocorre tanto por exigir uma permissão prévia, quanto porque, muitas vezes, as pessoas respondem os questionários sem muita atenção. “Isso gera um ruído, um certo grau de erro na nossa estimativa porque os dados com os quais trabalhamos nunca são perfeitos, já que são produzidos por humanos”, afirma o pesquisador. Esse ruído, entretanto, não pode ser consertado. De acordo com o pesquisador, o que pode ser feito é aumentar a coleta de dados, já que a partir disso a tendência é que o ruído se torne pequeno e desprezível.

Após a coleta de dados, a pesquisa entrou na área da computação e da inteligência artificial. A partir do inventário de informações elaborado através do questionário, foi possível ter exemplos de textos escritos por pessoas com cada dimensão de personalidade. As amostras serviram para treinar o modelo computacional a aprender a reconhecer cada um dos casos. “Basicamente nós damos essa massa de exemplos para o modelo e ele, por assim dizer, aprende a reconhecer pessoas com aquelas personalidades com base no texto. Então dado um texto novo, de uma pessoa nunca vista, o sistema tenta estimar qual é a provável personalidade dela. Esse método se chama aprendizado de máquina”, explica Ivandré. O sistema computacional utilizado foi um já existente, desenvolvido pelos próprios alunos da USP.

Apesar de a intenção da pesquisa não ser aplicar e utilizar a ferramenta no mercado, mas sim apenas demonstrar o método, o pesquisador afirma que a ferramenta possui grandes impactos positivos. Um deles é a possibilidade de qualquer um poder aplicar o método gratuitamente, apenas acessando a pesquisa. Além disso, na opinião de Ivandré, o projeto também foi importante para abrir outras frentes de estudo, como uma pesquisa que busca ir além da personalidade, estimando uma série de outras características, como grau de escolaridade, faixa etária e gênero, através das postagens nas redes sociais. As possíveis aplicações dessas ferramentas vão desde propagandas direcionadas para cada tipo de usuário, monitoramento de tendências nas redes, até a programação de agentes virtuais para respostas automáticas, aproximando os modelos das características humanas e tornando a interação da máquina com o homem cada vez mais natural.

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