Um século após registrar Amazônia, cineasta Silvino Santos volta a ser tema na Academia

O cineasta português Silvino Santos, radicado no Norte do Brasil, em ação (Foto: Reprodução/A Crítica)

O nome do cineasta e fotógrafo Silvino Santos pode não ser de conhecimento do brasileiro comum, mas o fato é que são dele alguns dos mais importantes (e até mesmo controversos) registros visuais da Amazônia. Na primeira metade do século 20, Santos produziu documentos fundamentais da região, como o longa No Paiz das Amazonas (1921). Hoje, quase 100 anos após o lançamento de sua obra mais reconhecida, Santos volta a ser figura do meio acadêmico, como tema da tese de doutorado de Sávio Luis Stoco na Escola de Comunicações e Artes da USP: O cinema de Silvino Santos (1918-1922) e a representação amazônica: história, arte e sociedade.

Português radicado no Norte do Brasil, Santos desenvolveu seu trabalho – primeiramente com fotografia, em seguida com cinema – em Manaus (AM), onde morreu em 1970, aos 84 anos. No período estudado por Stoco, que coincide com a fundação da Amazônia Cine Film, produtora cinematográfica pioneira na região e com a qual Silvino Santos contribuiu diretamente, também consta na filmografia do lusitano Amazonas, maior rio do mundo (1918).

“As primeiras (e até hoje mais afamadas) iniciativas de pesquisa com relação a esse cineasta foram promovidas pelo movimento cineclubista manauense, que existiu na década de 1960”, conta Stoco, cujo interesse por Santos advém de sua graduação, realizada na Universidade Federal do Amazonas. Entre os trabalhos mais atuais sobre o tema, o pesquisador destaca os de Selda Vale da Costa (Ufam) e Eduardo Morettin (seu orientador na ECA-USP) como fontes de estímulo. “O meio acadêmico está aperfeiçoando seus métodos para o estudo e consideração das imagens de Silvino”, diz.

Para as análises em sua tese, Stoco destaca a importância de não se tratar as produções de Santos como “espelho do real”. Segundo ele, mesmo como documentações sociais e históricas fundamentais, elas não são comprovações diretas de fatos. Como exemplo, o pesquisador cita uma disputa que colocava, à época de No Paiz das Amazonas, os indígenas parintim e do oriente peruano como entraves ao progresso e bloqueios à exploração da área, com um extermínio étnico destes em curso. O tema é deixado de lado na produção, o que se atribui à ligação do cineasta com as elites locais, de comerciantes a governantes.

“Pouco disso está explícito nas imagens, mas o trabalho de pesquisa serve para que aprofundemos o que não se mostra – claro, de maneira mais documentada e consistente possível”, afirma Stoco. “Evitei acreditar na valorização da cultura daquelas etnias, em uma etnografia ‘à frente de seu tempo’, pois essa é uma concepção mais tardia e que não estava no horizonte dos produtores”.

Segundo o pesquisador, as obras estudadas foram bem recebidas à época de lançamento, apresentadas com bons públicos nas principais capitais brasileiras e, ainda que não consolidada a profissão de crítico à época, analisadas positivamente pela imprensa. Os filmes fizeram relativo sucesso também na Europa, contando inclusive com a valorização de Léon Moussinac, um dos principais críticos de cinema da França. “Na Europa, Amazonas, maior rio do mundo circulou de forma pirata, como não era raro no período”, acrescenta.

Ainda assim, com o passar do tempo, Silvino Santos não se tornou uma figura carimbada do cinema nacional – não à toa, não alcançou a maior parte da população brasileira, apesar de receber cada vez mais atenção do nicho cinematográfico. Segundo Stoco, é notável um reconhecimento interessante à obra de Silvino, mas ainda restrito aos especialistas em cinema e documentário brasileiros. No gênero em que atuou, seu nome se destaca juntamente ao do cineasta do marechal Cândido Rondon, Thomaz Reis.

“O que acho que seria importante no momento é investimento em restauro das obras desse cineasta. Houve muitas perdas, algumas incontornáveis, mas descobertas recentes mostram que há ainda alguns ótimos caminhos para serem trilhados em termos de restauro”, afirma o pesquisador. “Sem os filmes em si, a pesquisa crítica e historiográfica fica dificultada”, completa Stoco – que, apesar dos percalços, acrescenta uma nova obra acadêmica ao tema Silvino Santos e ao assunto cinema amazônico.

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