Reconhecimento de ácaros pode trazer resultados de importância médico-veterinária no Brasil

Estudos no Instituto Butantã ampliam o conhecimento sobre ácaros trombiculídeos

Imagem aproximada de trombiculídeo | Jacinavicius F.C., Bassini-Silva R., Mendoza-Roldan J.A., Munoz-Leal S., Hingst-Zaher E., Ochoa R., Bauchan G.R., Barros-Battesti D.M. 2018.

O grupo de ácaros da família Trombiculidae tem tido seus estudos praticamente negligenciados há mais de 50 anos, desde a época em que faleceu Flávio da Fonseca, pesquisador fundador da coleção de ácaros existente no Instituto Butantan. Com a retomada das pesquisas por parte de Fernando de Castro Jacinavicius junto a Faculdade de Medicina e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ-USP), foi possível identificar as espécies existentes no Brasil e descrevê-las, atualizando o que existe para a região neotropical.

Além disso, encontraram nos ácaros publicados um tipo de bactérias que pode, em algumas espécies, ser o agente causador da febre maculosa. Essas são denominadas riquétsias e sua transmissão ocorre, principalmente, pelo carrapato-estrela. Apesar da descoberta, não se sabe ainda se os ácaros coletados transmitem a doença. Testes moleculares podem conter tecido do hospedeiro ou o ácaro pode ter ingerido sangue infectado, por esse motivo a presença é detectada, mas, não necessariamente haverá transmissão do patógeno. Fernando pretende continuar os estudos e, posteriormente, adentrar nessa área.

Imagens de Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) de trombiculídeos | Jacinavicius F.C., Bassini-Silva R., Mendoza-Roldan J.A., Munoz-Leal S., Hingst-Zaher E., Ochoa R., Bauchan G.R., Barros-Battesti D.M. 2018.

Em lugares ao redor do globo, como Ásia e regiões da Austrália, o ácaro é responsável pela transmissão da bactéria Orientia tsutsugamushi, do grupo das Rickettsiaceae, e é responsável pela morte de 80% das pessoas afetadas quando não tratadas. “No Brasil, há doenças negligenciadas. Às vezes elas são circulantes, estão sendo transmitidas, porém não tem pessoas que a estudaram”, diz o pesquisador. Fernando completa explicando que não há quem pesquise esses ácaros na América, o que justifica a importância da identificação.

Para mais informações sobre doenças, é necessário realizar o isolamento ou cultura do organismo infectado. Depois, deve-se induzir o ácaro a se alimentar do mamífero vertebrado terrestre para identificar se o primeiro é capaz de transmitir a doença. Para alcançar tal degrau, foram estudados roedores e marsupiais, ambos considerados pequenos mamíferos.

Orelha de um roedor parasitado por trombiculídeo | Imagem cedida por pesquisador

A identificação do patógeno é feita por métodos moleculares. Extrai-se o DNA da amostra e a submetem a reações que amplificam a região buscada. Em caso positivo, a região é sequenciada e comparada nos bancos gênicos para identificação do patógeno.

O teste é feito diretamente nos ácaros. Eles são coletados diretamente do animal examinado. Alguns pesquisadores podem efetuar testes sorológicos para constatar a sorologia positiva ou não. “Como temos uma coleção, a gente recebe amostras de outros pesquisadores. Quando eles fazem testes, colocamos juntos os resultados, e quando não, colocamos apenas o do ácaro”, explica Fernando.

O pesquisador explica que sem as coleções de ácaros existentes no Brasil, como as do Instituto Butantan, não seria possível chegar a tais resultados. Neste ano, no dia 15 de maio, completam-se nove anos do incêndio que acometeu a unidade, causando grandes perdas. O descaso por parte de órgãos governamentais, os quais não garantem a segurança dos centros de pesquisa, pode acarretar perdas enormes para a ciência, como ocorreu recentemente com o Museu Nacional no Rio de Janeiro.

Atualmente, conta-se com um prédio estruturado para o armazenamento seguro. Há quatro coleções: Herpetológica (répteis e anfíbios); Aracnológica (aranhas e escorpiões) e Miriapodológica (lacraias e centopeias); Entomológica (insetos) e Acarológica (ácaros e carrapatos). Apenas na última, há por volta de 15 mil lotes tombados e, em cada lote, chega-se a até 200 exemplares de ácaros.

“O importante é ter as coleções. Elas são uma grande fonte de informações que, muitas vezes, principalmente aqui na cultura de nosso país, não temos o costume de mantê-las”, cita o pesquisador. As coleções são fontes de diversidade e história.

Fernando exemplifica com o caso em que pessoas foram picadas caminhando em uma trilha e, ao levar o exemplar para o instituto, detectou-se Eutrombicula tinami, espécie descrita em 1910 por um pesquisador holandês que nunca mais havia sido detectada. “Graças ao que tem na coleção, soubemos a distribuição dessa espécie e encontramos vouchers, que seriam exemplares depositados proveniente de picadas em humanos”, explica Fernando. Vê-se então a importância das coleções para a medicina.

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