Dengue é imprevisível, conclui modelo estatístico

Imagem: Skeeze/Pixabay

A saúde pública nas cidades de São Paulo e Ribeirão Preto enfrentou grandes complicações em 2015. A incidência da dengue, doença transmitida pela picada do mosquito Aedes aegypti, aumentou sem precedentes. Exclusivamente neste ano, mais de 745 mil ocorrências de dengue foram reportadas no estado paulista, representando 1.732 casos a cada 100 mil habitantes. Além disso, no século 21, o Brasil se tornou o país com o maior número de casos de dengue no mundo.

É em função do quão alarmantes são esses dados que surgiu a ideia do estudo Dengue Outbreaks: unpredictable incidence time series, publicada no periódico internacional Epidemiology and Infection. Realizada em parceria por Airlane Alencar, professora do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, e pelas pesquisadoras Simone Miraglia e Ana Flávia Gabriel, do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF), da Unifesp, ela teve como intenção unir o conhecimento produzido por duas áreas a fim de entender o surto da doença e prever seus comportamentos futuros.

A pesquisa se trata de uma análise de séries temporais, ou seja, considera os dados ao longo do tempo e propõe modelos que permitam encontrar padrões e fazer suposições.  O comportamento temporal da dengue foi analisado a partir do modelo Sarima, comum e tradicional na área da Estatística. De acordo com Airlane Alencar, ele é o mais apropriado por considerar que “os dados de hoje dependem dos de ontem”, além de modelar a sazonalidade de forma bastante simples.

Mesmo se tratando do modelo mais adequado, algumas questões, como a própria natureza de doenças como a dengue, ainda impõem dificuldades para que a previsão dos casos futuros seja exata. Em função da incerteza produzida por alguns fatores, o intervalo de confiança relacionado à previsão dos casos para 2016 teve grande amplitude. Veja abaixo:

Os gráficos mostram a relação entre o número de casos de dengue (na vertical) e a temporalidade (na horizontal). As linhas em preto representam os dados observados, enquanto a previsão é feita em azul.

Trazer uma reflexão sobre o intervalo de confiança é um diferencial deste estudo. “Às vezes, a técnica só olha para o método e fica satisfeita com isso. Porém, se você fizer o intervalo de confiança da previsão, descobre que ele é gigante, então a previsão não informa tanto”, Airlane completa.

Outra questão que se destacou durante a realização do projeto foi a falta de padrão dentro dos elementos a serem investigados. Note que não é possível encontrar uma repetição na série do número de casos de dengue reportados de 2000 a 2015. Como previsões só podem ser feitas caso exista a identificação de um padrão, Airlane usou logaritmos. Criando gráficos com o logaritmo do número de casos na vertical, e a temporalidade na horizontal, foi possível identificar um padrão e prosseguir a análise.

Finalizada a parte de coleta, organização e modelagem dos dados, o projeto se volta a propor hipóteses que expliquem o surto da doença enfrentado em 2015. Para as pesquisadoras Ana Flávia Gabriel e Simone Miraglia, a crise hídrica que ocorreu no Estado de São Paulo em 2014 seria um fator considerável. Esta fez com que as pessoas passassem a utilizar métodos improvisados para o armazenamento de água, o que pode ter favorecido a proliferação do mosquito vetor. Outra explicação citada pelas pesquisadoras se refere à falta de imunidade da população. O tipo de dengue que protagonizou o surto foi o 2, que o sistema de defesa do corpo humano não estava preparado para combater.

Para Ana Flávia e Simone, estudos como esses são importantes em função da aplicabilidade e potencial de melhorar a organização das políticas públicas de saúde em um país. Assim, a junção entre essas duas áreas, a fim de produzir conhecimento sobre um tema de grande importância e interesse público, mostrou-se bastante positiva. Para as pesquisadoras da área de saúde pública, “os modelos ajustados conseguiram captar e seguir as tendências de aumento e diminuição [da incidência de dengue]”, sendo que a participação de Airlane Alencar foi essencial.

A professora do IME ressalta também a grande ligação que sua área tem com outras, tendo em vista que a estatística auxilia na análise de problemas variados, buscando sempre se adaptar e propor a melhor metodologia. Ainda assim, “pela conjuntura atual de cortes nos investimentos, a pesquisa e a interdisciplinaridade não são devidamente valorizadas no Brasil”, disseram Ana Flávia Gabriel e Simone Miraglia.

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