Crianças que respondem ao tratamento de TOC têm volume de estrutura cerebral maior

Crédito: DrOONeil/ Retirado de: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:FMRI_Brain_Scan.jpg

Um grupo de pesquisadores do Instituto de Psiquiatria da USP (IPq) encontrou diferença no tamanho de um núcleo cerebral – o núcleo caudado – entre crianças com TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo) que respondem a tratamento, que não respondem e que não possuem o transtorno.

Através de dados coletados por um ensaio clínico Smart (Sequential Multiple Assignment Randomized Trial) publicado um ano antes, pesquisadores analisaram estruturas escolhidas a priori (previamente). Núcleo caudado, córtex orbitofrontal e tálamo foram observados por meio de neuroimagens estruturais. Outras pesquisas já os haviam reconhecido como envolvidos no transtorno.

O núcleo caudado, bem como as outras estruturas avaliadas, é parte do circuito córtico-estriado-tálamo-cortical, cuja hiperatividade está associada ao comportamento relativo ao TOC em grande parte dos pacientes.

 

Esse primeiro ensaio contemplou dados de 29 crianças e adolescentes com TOC, de 7 a 17 anos, e 28 outros de idade compatível que não tem a doença e compuseram a amostra de controle. Em cerca de 67% dos casos, esse transtorno inicia-se na infância.

Um ensaio clínico é um conjunto de procedimentos de investigação e desenvolvimento de medicamentos realizados para a obtenção de dados de segurança  e eficácia em relação a intervenções de saúde (por exemplo, drogas, diagnóstico, dispositivos, protocolos de terapia), de acordo com o Ministério da Saúde.

No estudo Smart, que coletou o material analisado mais adiante em outra pesquisa, dois tipos de tratamentos de primeira linha para o TOC foram testados. Igualmente eficazes, trabalhou-se com inibidores seletivos da recaptura de serotonina, representados pela fluoxetina (remédio antidepressivo), e Terapia Cognitiva Comportamental (TCC).  

A pesquisa mais recente encontrou a associação avaliando dados apenas das primeiras 14 semanas do ensaio. Para esse trabalho, feito em cima de informações coletadas anteriormente, houve apoio do Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para Crianças e Adolescentes (INPD), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Núcleo caudado destacado em vermelho. Fonte: Life Science Databases(LSDB)/ AnatomographyEdoardo Vattimo, psiquiatra e autor da pesquisa publicada na European Child & Adolescent Psychiatry em abril de 2019, comenta sobre uma etapa mais inicial do processo da investigação envolvendo as três estruturas cerebrais e a resposta ou não ao tratamento.  “Tudo estava apontando para o núcleo caudado”.

Em uma nova etapa foi necessário excluir os dados referentes a um outlier (valor atípico). Sobre a relação percebida entre volume do núcleo caudado e resposta ao tratamento de TOC, Vattimo explica: “Verificamos que, sem o outlier, havia um resultado significante em relação ao núcleo caudado do lado direito”.

Depois controlou-se o fator de que o núcleo poderia ser maior proporcionalmente ao tamanho do cérebro todo. “Mesmo considerando o tamanho do cérebro, o caudado era maior nos pacientes que respondiam ao tratamento”, confirma o psiquiatra.  Os pesquisadores concluíram que efetivamente havia uma diferença entre o volume do núcleo caudado das crianças que têm o transtorno e que responderam ao tratamento de primeira linha, comparado aos das que têm TOC e não responderam e aos daquelas que não o têm – um achado que é independente do tamanho total do cérebro dos participantes do estudo.

 

Os boxplots mostram a distribuição de volume do núcleo caudado (esquerdo e direito) de acordo com o grupo (que responde ao tratamento, não responde ou controle). As imagens de cérebro são ilustrativas e destacam o núcleo caudado de um único paciente. Fonte: Edoardo Vattimo

Limitação e objetivo futuro

Edoardo revela, sobre a retirada do outlier, “estamos sujeitos a isso porque o N [tamanho amostral] é pequeno”. Segundo o psiquiatra, esse tipo de estudo tem a limitação de conseguir o material para análise em quantidade maior. “Principalmente com crianças, além do custo, é difícil conseguir a ressonância, que demora 40 minutos e exige que a pessoa esteja parada.”

O pesquisador continua “o futuro será, a partir dos indícios que estamos apontando, fazer estudos em um consórcio internacional, que vários centros alimentem com dados de pacientes. E isso já está acontecendo. Estamos participando de um sobre o TOC que se chama Enigma

A questão é que, segundo ele, os consórcios internacionais apenas fazem estudos investigando a diferença entre cérebros de pessoas com ou sem a doença. O tratamento não entra como fator, como se inclui na pesquisa de Edoardo. “Coordenar todos os centros envolvendo tratamento é mais difícil. Por isso ainda estamos engatinhando nesses consórcios, mas, quem sabe, seja um início para que haja, no futuro, um consórcio internacional envolvendo neuroimagem e que também avalie tratamentos e seus mecanismos de ação.”

Hoje está longe de acontecer um direcionamento do tratamento do paciente pela avaliação da ressonância do núcleo caudado. O psiquiatra afirma que, mais que conseguir uma aplicação clínica, o objetivo da sua pesquisa é entender melhor a doença.

A heterogeneidade do TOC

Segundo Edoardo, o transtorno é muito complexo, mas “infelizmente, as pessoas têm um conceito errado sobre a doença, como se o paciente que tem TOC fosse apenas aquele que, por exemplo, lava a mão muitas vezes”.  

Existe uma grande heterogeneidade entre os pacientes. O TOC pode começar na infância (atingindo meninos mais cedo que meninas) ou por volta dos 20 anos. Pode associar-se a tiques. Algumas infecções, especialmente as que se relacionam à febre reumática, podem também se associar a casos de TOC, porém isso é “um pouco controverso”. Pode ter fatores causais mais genéticos ou ambientais. Pode nem estar ligado ao circuito córtico-estriado-tálamo-cortical. Ainda varia em grau de gravidade, que pode ser avaliado segundo a escala de Yale-Brown.

A dimensão do pensamento sintomático do TOC também varia. Os conteúdos podem ser sobre contaminação, organização, sexualidade, religiosidade, impulsos de agressividade, sobre ações passadas (exemplo: questionar-se repetidamente se trancou a porta). “Embora os conteúdos do pensamento sejam influenciados pela cultura, o que une os pacientes é a forma dessa psicopatologia”, explica Edoardo.

Estudos mais antigos não haviam encontrado diferença relativa ao volume do núcleo caudado, porque, de acordo com o pesquisador, os tipos de pacientes do TOC não eram destrinchados. A depender do perfil do paciente, a relação do transtorno com o tamanho da estrutura muda de padrão. Sem definir e considerar grupos, os resultados de estudos que compararam o tamanho dessa estrutura cerebral, em pacientes com TOC e controles saudáveis, são inconsistentes.

Muitos componentes podem construir o quadro do TOC, mas todos que são diagnosticados como pacientes do transtorno compartilham a presença de obsessões ou compulsões, ou a associação das duas. Obsessões são pensamentos ou sensações intrusivas, “ou seja, entram na consciência da pessoa sem que ela queira”, desagradáveis e repetitivos. Compulsões são atos também repetitivos, motores ou mentais, que constituem rituais performados pelo paciente que acredita que isso aliviará o sofrimento gerado pela obsessão.

Estima-se que a porcentagem de pessoas com TOC que não respondem a nenhum tipo de tratamento seja inferior a 1% entre os pacientes.

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