Pesquisadora propõe uso de resíduos de algodão no tricô

Técnicas desenvolvidas permitem a reutilização de peças de roupa

As peças criadas são desenvolvidas a partir de diferentes tipos de resíduos e possuem características exclusivas. Imagens: Cristiane Bertoluci

De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT), estima-se que são geradas, no mínimo, 170 mil toneladas de resíduos têxteis por ano no Brasil. A tese de mestrado desenvolvida por Cristiane Bertoluci na Escola de Artes Ciências e Humanidades, entretanto, buscou encontrar novos usos para esses resíduos. Assim, a pesquisadora desenvolveu uma técnica para reutilizar resíduos de malharia de algodão a partir de técnicas manuais.

Cristiane explica que já possuía bastante experiência com o tricô e o uso da malharia. Além de explicar a parte de metodologia e processo, sua pesquisa também buscou trazer a importância de se trabalhar com resíduos nos dias de hoje, o panorama das técnicas manuais no mercado atual e, principalmente, a desmistificação do produto reciclado. “O produto reciclado é visto, até hoje, como inferior. Porém, trabalhar esse produto às vezes é mais difícil do que trabalhar com a matéria prima virgem, por isso, ele deveria ser até um produto mais valorizado”, afirma.

De acordo com a pesquisadora, existem tipos diferentes de resíduos. Um deles é o resíduo pré-consumidor, que é aquele advindo da indústria, antes de ser comprado. Ele é originado do refilo da malha, como explica Cristiane. Segundo ela, quando a malha sai da máquina geralmente está enviesada. Então, é passada uma cola em suas extremidades para que fique reta e os locais com cola são cortados. Essa parte descartada é transformada em novelo e, atualmente, já é inclusive comercializada, direto da fábrica ou em mercados. Outro tipo de resíduo é o pós-consumidor, quando a peça já está pronta e o consumidor quer descartá-la.

Cristiane escolheu trabalhar com três tipos de resíduos, dois pré e um pós-consumidor: o resíduo vindo direto da fábrica em novelo, tecidos defeituosos doados por algumas empresas e peças de descarte. Ela explica que as peças vindas direto da fábrica não precisaram ser trabalhadas, porém, as outras opções apresentaram algumas dificuldades. No caso dos tecidos defeituosos, teve que cortá-los e fazer o novelo e, já nesse processo, pensar o que iria fazer com as partes irregulares, se conseguiria escondê-las na peça ou se virariam “defeito que vira efeito”, ou seja, um defeito que se torna parte da peça.

Já no caso das peças de descarte, as escolhidas foram camisetas. Como todas eram muito diferentes entre si, a pesquisadora afirma que é necessário ter em mente que o tricô terá diversas cores e mistura de estampas, um produto realmente exclusivo. A pesquisadora afirma que foi importante ter utilizado camisetas descartadas: “Isso ajuda a dar um respaldo para a pessoa. Ao invés de descartar uma peça, ela tem a oportunidade de reciclar em casa, desenvolvendo seu próprio fio de malha ao invés de comprar de uma empresa”.

O processo de desenvolvimento do fio de malha a partir de camisetas. Imagens: Cristiane Bertoluci

O fio feito a partir da malha é uma matéria prima mais grossa e pesada. Assim, um dos principais desafios foi desenvolver peças que possuam um apelo de moda, e que sejam esteticamente bonitas, sem serem muito pesadas ou volumosas. Para contornar esses problemas, Cristiane utilizou pontos mais abertos, criando peças menores e mais curtas. Além disso, recorreu a agulhas mais grossas para tricotar e trabalhou fios diferentes na composição da mesma peça. Outra alternativa foi a criação de acessórios. A bolsa elaborada foi o artigo que teve maior aceitação, já que independe de outras peças.

A pesquisadora espera que a tese ajude a diminuir a produção de matéria prima e o consumo desenfreado, e que as pessoas possam internalizar isso a partir da formulação e do desenvolvimento de seus próprios produtos. Ela acredita que a percepção do nosso papel na biosfera é importante para trabalhar a favor da natureza e da preservação do planeta. “Existe uma frase que é ‘faça o que você pode, com o que você tem, com o que você sabe’. É importante que as pessoas entendam que temos o conhecimento e temos matéria prima em casa. É uma questão de sentar e trabalhar porque existe criatividade nisso”, conclui.

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