Telenovela recorda terra natal e conecta gerações de brasileiros no Japão

Helen Suzuki durante grupo de discussão com alunos em escola nipo-brasileira (Foto: Arquivo Pessoal/Helen Suzuki)

A conexão entre o Brasil e as telenovelas não é novidade: há mais de meio século, o hábito de acompanhar as tramas pela telinha cativa a população do país de tal forma que há brasileiros que, mesmo morando no exterior, não abrem mão de seguir as narrativas produzidas no país natal. É o caso de diversos dos quase 200 mil brasileiros residentes no Japão, em uma relação que se tornou tema de pesquisa para a professora (e ex-dekassegui) Helen Emy Nochi Suzuki – sua tese de doutorado, A telenovela brasileira na relação intergeracional de imigrantes brasileiros no Japão, foi defendida em abril na Escola de Comunicações e Artes da USP.

Nela, Suzuki busca se aprofundar na transmissão da cultura “noveleira” de pais para filhos, mesmo vivendo do outro lado do mundo. Segundo a pesquisadora, há uma tendência de que brasileiros que imigram para o Japão utilizem as telenovelas, especialmente via transmissões da Globo Internacional, para manter conexões com o país de origem – seja pela língua portuguesa, seja pelas próprias imagens. Com isso, o hábito muitas vezes avança para a geração seguinte, que em geral é nascida, criada e/ou educada no Japão e, apesar das raízes brasileiras, conhece pouco ou nada da realidade e cultura da nação de seus pais ou avós.

A pesquisa teve em seu cerne essa segunda geração – de jovens, a maior parte em idade de Ensino Médio e membros de famílias estabelecidas há pelo menos cinco anos no Japão, o que os garante uma adaptação mais completa ao país. Para realizar o estudo, Suzuki ficou por seis meses na região de Hamamatsu, província de Shizuoka, área com grande concentração de brasileiros, e após um recorte macro da realidade destes, promoveu focos mais específicos. Primeiro, por um questionário, e logo em seguida por grupos de discussão, ambos em escolas nipo-brasileiras locais; posteriormente, selecionando os adolescentes que melhor se integrariam à pesquisa e realizando entrevistas em profundidade com os jovens e suas famílias, além de, evidentemente, observar as relações entre eles e as telenovelas.

Placa bilíngue para atender a brasileiros que vivem no Japão (Foto: Helen Suzuki)

“Não se pode entrar com a telenovela primeiro. É preciso entrar com o lado humano, pelo lado da história deles e respeitando o tempo deles, mesmo sabendo que eles assistiam telenovelas, o que vi no questionário que apliquei”, diz Helen. “Depois vamos entrando no assunto, mas trato de forma paralela: a relação da televisão com eles e a relação dos pais, vendo aí qual intersecção que existe – se existe ou não, sem direcionar a pesquisa”.

O resultado apontou que há, entre os jovens, um desejo de se aproximar dos pais e compreender melhor tanto os interesses de seus genitores quanto o país do qual são, de fato, cidadãos. “Mesmo sem muito tempo, porque a escola ocupa muito, esses jovens assistem à telenovela porque querem uma conexão com os pais”, afirma Suzuki.

“Ouvi casos de gente que dizia ‘eu assisto porque quero entender minha mãe, quero continuar falando com ela’. Isso foi surpresa para mim: entender que os filhos, mesmo nessa época de transgressão, de revolta, de não entenderem o lugar deles em outro país, queriam ter uma conexão com os pais”, completa a pesquisadora.

Além disso, as telenovelas permitem que os adolescentes – alguns dos quais nunca estiveram no Brasil – possam compreender algumas nuances tupiniquins. Nochi Emy, como Helen é chamada no país nipônico, conta que alguns dos casos curiosos aconteceram com a novela “A Força do Querer”, que trouxe à tona debates sobre a transsexualidade, com a transição da personagem Ivana/Ivan (Carol Duarte), e sobre o crime, pela personagem Bibi Perigosa (Juliana Paes) – assuntos polêmicos tanto para o Brasil quanto para o Japão, um país ainda mais conservador e “moralista”.

Segundo Helen, um adolescente relatou ter procurado conhecer melhor o que é uma favela do ponto de vista brasileiro por conta da telenovela, assim como alguns brasileiros disseram não entender a “sedução pelo crime”, vista pela saga de Bibi na trama. “Mesmo sabendo que trata-se de uma ficção, eles têm a telenovela como algo importante para entender o Brasil”, conclui Suzuki, que hoje ainda se dedica ao tema na vida acadêmica: ela participa do grupo de estudos Linguagens e Discursos nos Meios de Comunicação (GELiDiS), liderado por sua orientadora, Maria Cristina Mungioli.

Mapa do Japão com concentração dos brasileiros por área no país (Imagem: Consulado Brasileiro em Tóquio)

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