Aceleração do tempo tem causado crise democrática e de valores na sociedade

Grupo de pesquisa analisou aspectos que têm contribuído para o “mal estar contemporâneo”

“O mundo contemporâneo é incompatível com os valores éticos”. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Projeto que durou entre os anos de 2014 e 2017 analisou como os aspectos do tempo acelerado têm impactado na modernidade, alterando hábitos, costumes e valores da sociedade. O grupo responsável pela pesquisa foi Humanidades e Mundo Contemporâneo do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.

O projeto Aceleração do Tempo e Pós-Democracia: Violência e Comunicação estudou, entre outras questões, como a democracia foi impactada pela modernidade. A professora sênior do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, e coordenadora do projeto, Olgária Matos, diz que há uma aparente crise democrática, e ela possui relação com as novas tecnologias: “As tecnologias não estão mais pautadas em progresso, porque a ideia de progresso tinha um compromisso humanista, mas perdeu esses princípios”.

A docente explica que para a democracia é preciso tempo, haja vista que “exige discussão, conversa, convencimento, meio de encontrar soluções, e isso não são coisas rápidas”. Esses pré-requisitos são incompatíveis com o que as tecnologias apresentam: rapidez.

Além da democracia, o projeto explora uma crise de valores existente na sociedade, também causada pela aceleração do tempo. Para Olgária, a formação de valores morais também não é rápida. E uma vez que não há tempo, esses valores não se formam: “Considerando as mudanças tão rápidas de comportamento da sociedade, você não pode mais acompanhar esses valores. Então o mundo contemporâneo é incompatível com os valores éticos”.

Isso se dá, também, porque “o mundo contemporâneo é muito anti-intelectual”, como afirma a professora. “É possível falar em elite esportiva, elite militar, mas falar em elite intelectual tornou-se grande ofensa”, sustenta. Diz ainda que o fato de as instituições formadoras de educação – “escolas, universidades, famílias” – estarem tomadas pela pressa, como nas outras organizações sociais contemporâneas, contribuem para “o mundo do pensamento ser deixado de lado. E quando se quer transformar tudo em ação, não se pode mais acompanhar com o pensamento”.

Toda essa “repulsa” em priorizar o pensamento e a questão do tempo tem contribuído para o aumento da violência, graças ao mal-estar contemporâneo citado pelo projeto. “Aumento do uso de drogas, obesidade mórbida. Esse sentimento possui várias formas de ser lido”. A relação dessa sensação com a aceleração do tempo, está no que a professora chamou de vida em espírito, ou seja, reflexão. “Pois reflexão não é algo que se resolve em algumas horas. E como a idéia predominante é que tudo tem que ter resultado a curto prazo, tende-se a fazer uma sociedade pulsional”, explica.

Essa sociedade, segundo a docente, não é mais movida pelo desejo, mas pela pulsão por algo: “Ela é o contrário do desejo, porque quando consome, acabou. Enquanto o desejo é uma coisa que você cuida, tem amor, quer que dure. O mundo contemporâneo é da pulsão, e se não há desejo, as relações também são consumíveis”.

Olgária conta que o grupo chegou a algumas conclusões, especialmente ao que se refere à sociedade atual: “Se transformou em uma empresa, com valores de gestão, que estão sendo aplicados nas políticas públicas, e geram esse mal-estar”. Afirmou também que essa pesquisa continua sendo feita, haja vista que as questões abordadas por ela têm continuação de longo prazo.

A professora diz que estudos como esse podem auxiliar na implantação de políticas públicas, mas que o impacto não é imediato, embora seja duradouro, como certos estudos. “Eu, por exemplo, vou sempre continuar lendo Platão”.

O projeto que na época contava com diversos pesquisadores, era coordenado pela professora Olgária Matos. Atualmente, apesar de não estar sendo “tocado” no IEA, a professora permanece pesquisando o tema na Universidade Federal de São paulo (Unifesp), onde também ministra aulas.

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