Literatura brasileira desvenda família do século 20

Pesquisa analisa obras de autores como João Guimarães Rosa e Clarice Lispector

Escritores apontam a complexidade da família em suas obras. Arte: Crisley Santana

Uma pesquisa do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP está investigando os aspectos que compunham os núcleos familiares que viviam no Brasil do século passado. É por meio da literatura que a professora Belinda Mandelbaum, do Instituto de Psicologia (IP) da USP, realiza a análise.

Em seu projeto Figurações da Família na Literatura Brasileira do Século XX  obras de diversos autores brasileiros transformam-se em objetos de estudo, uma vez que a ficção abordada por eles traz abundância de “temas históricos, sociológicos, culturais e psicológicos”.

A professora explica que por meio de algumas leituras é possível entender aspectos complexos, não só da família brasileira, mas do contexto em que se insere o século passado: “Nada como ler Clarice Lispector para entender a mulher de classe média, dona de casa, ou ler Raduan Nassar para entender a estrutura patriarcal”.

O critério de escolha dos autores que estão na análise Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade e Raduan Nassar  partiu da problematização que estes trazem em seus livros. Cada autor apresenta perspectiva diferente, desconstruindo o conceito de família como lugar harmonioso: “Mostram, principalmente, uma dimensão de conflitos e de sofrimento que a estrutura familiar também carrega e produz”, explica a docente.

Para Belinda, essa problematização é importante à medida em que, por meio dela, torna-se possível ressignificar o conceito e a estrutura que o termo carrega, agregando pensamento crítico acerca das noções idealizadas de família. “Quando se tem, por exemplo, uma ‘defesa da família’, que família é essa? Será que é o melhor arranjo? E do que ela precisa ser defendida? Que contribuições ela traz?”, indaga Belinda, afirmando que a literatura incita esse debate.

A professora também explica que a importância de estudar as percepções de família está na maneira em que ela impacta os membros que a compõe: “É a nossa marca, nosso núcleo formador. Ela nos transmite sua história como promotor de desenvolvimento, promotor de vida, mas também nos transmite tudo aquilo que é da ordem do traumático, das suas feridas”.

Essa configuração está presente na literatura: “Em Carlos Drummond é muito evidente toda uma estrutura patriarcal, que carrega até marcas da escravidão, e elas estão na casa dele”. Belinda explica que por meio da ficção, há uma aparente tentativa de apagar essas
“manchas” ou de lidar com elas.

Por outro lado, configurações diferentes dessa também são exploradas. A docente explica que em Laços de Família, livro de Clarice Lispector, por exemplo, os laços se apresentam como nós que constrangem as personagens. Assim, elas não encontram na vida familiar uma possibilidade de realização, de potencialidade interior.

Já nas obras de Guimarães Rosa, segundo Belinda, “você encontra a família como lugar de contato com uma tradição, o resgate de uma história que o progresso tende a aniquilar”. Por meio dessas figurações tão diversas, a professora entende que os autores deixam à vista suas subjetividades com relação ao significado do termo.

Belinda afirma que a cada leitura, faz uma nova descoberta: “Cada autor, é um processo de depuramento, cada vez que leio um poema ou um conto, parece que outro aspecto ressignifica aquilo que eu tinha pensado. Como a literatura é riquíssima!”

A professora finalizou dizendo que espera contribuir com outros pesquisadores por meio de sua análise no texto literário “para que possam debruçar essa temática com outros escritores”.

O estudo faz parte do programa Ano Sabático, no qual os pesquisadores selecionados recebem uma bolsa com duração de um ano para desenvolver seu projeto.

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