Sistema de mobilidade de rios vem sendo transformado em São Paulo

Com o relativo vazio das áreas de várzea dos rios Pinheiros, Tamanduateí e Tietê, crescem oportunidades de renovação dos sistemas de drenagem, saneamento e mobilidade

Vista aérea do rio Pinheiros. Fonte: Fernando Stankuns, 2013.

As áreas de várzea dos rios Tietê, Tamanduateí e Pinheiros vêm sendo renovadas nos últimos anos. Essa renovação tem acontecido por causa de características específicas encontradas nesses espaços: há por ali uma concentração de infraestrutura e de empregos muito alta, além de, atualmente, possuir uma baixa densidade demográfica. Essa última característica é resultado de transformações ocorridas no sistema de mobilidade e no sistema de informação no final do último século, que fez com que parte do sistema produtivo de São Paulo se deslocasse para outros municípios – gerando um esvaziamento dessas áreas. Por causa desse cenário formado, o entorno desses rios possui, hoje, um grande potencial de transformação e de adensamento.

A pesquisadora Anita Rodrigues Freire desenvolveu um mestrado sobre esse tema pela FAU-USP, chamado “As várzeas urbanas de São Paulo: o processo de ocupação e transformação das várzeas dos rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí”. Publicada ainda neste ano, a pesquisa fala sobre como esse potencial de transformação já foi reconhecido até mesmo pela prefeitura de São Paulo. Ao formatar o Plano Diretor de 2014 (PDE – 2014) e a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS), essa última desenvolveu objetivos específicos para nessas áreas, com o intuito de alterar antigos problemas nos sistemas de drenagem, saneamento, abastecimento, mobilidade e lazer dos rios. A pesquisadora citou alguns desses objetivos em entrevista – tais como a “promoção de transformações estruturais, com aumento das densidades construtivas e demográficas; a recuperação dos sistemas ambientais; e a minimização dos problemas de áreas de riscos existentes, como inundações e áreas contaminadas”.

Mesmo com essas metas traçadas, e com muitos projetos elaborados para vigorarem nessas áreas, a maioria deles, segundo Anita, não tem sido de fato implementada. “Infelizmente, apesar de o Plano Diretor prever a elaboração de novos projetos nas áreas de várzeas, a atual gestão municipal tem deixado essas questões de lado. Muitos dos projetos que estavam em andamento, como o Projeto de Intervenção Urbana (PIU) Arco Tietê, foram paralisados, sem previsão de voltarem à pauta governamental. Alguns outros, como o PIU Arco Jurubatuba e PIU Arco Pinheiros, estão em andamento, porém não tem sido prioridade”. Apesar de não estarem sob o foco do atual governo, Anita afirma que é fundamental que essas transformações em andamento sejam “pautadas por projetos urbanos de qualidade”. Caso contrário, problemas sérios continuarão persistindo.

Problemas sistemáticos

Ao longo de sua dissertação, a pesquisadora traça a história de ocupação dessas áreas de várzea paulistanas, desde o início até hoje. Conforme explica as transições que ocorreram nesses espaços (dos caminhos e hidrovias para as ferrovias, e depois das ferrovias para as rodovias), Anita tece algumas críticas em relação à forma como foram ocupados.

Uma das críticas reside na transição entre o século XIX e XX, quando engenheiros sanitaristas realizaram projetos de canalização de rios e córregos para resolver problemas de inundação e saneamento. Durante todo o século XX, segundo a pesquisadora, obras de retificação e canalização foram realizadas nos rios paulistanos, aumentando a velocidade de escoamento de água e ampliando seus problemas de drenagem. A reversão do rio Pinheiros, por exemplo, proposta pela empresa Light, provocou “grandes alterações na várzea”. Desprezando o curso natural dos rios, essas obras fizeram com que as enchentes em São Paulo se intensificassem muito.

Além desse problema, segundo ela, haveria uma herança de planejamento urbano do período da ditadura militar também muito ruim: vários projetos de saneamento e drenagem eram feitos, nessa época, em grande escala, desconsiderando as especificidades de cada território. “Eram sempre grandes projetos de saneamento e habitação, que fazem sentido dentro de uma política centralizadora. Após o processo de democratização, com a Constituição de 1988, a tendência era a de fortalecer o planejamento regional e municipal, entendendo as diversidades de cada território. Mas isso ainda não aconteceu em alguns destes setores, que permanecem com a lógica antiga.”

Dessa forma, os problemas relacionados às enchentes continuam fortes, e os projetos para resolvê-los feitos em uma escala desproporcional à que realmente seria necessária.

Há ainda uma outra questão citada por Anita: existe uma dificuldade muito grande de criar vínculos entre diferentes setores (como o de abastecimento, o de drenagem, o de mobilidade). As águas drenadas dos rios para evitar enchentes, por exemplo, poderiam ser reaproveitadas ou direcionadas à recarga de aquíferos, mas, ao invés disso, são simplesmente desperdiçadas. A essência setorizada dos projetos seria, portanto, outro desses problemas sistêmicos que precisariam ser resolvidos nessas transformações futuras (e próximas) dos rios.

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