História da África é negligenciada em livros didáticos

O despreparo dos materiais prejudica alunos jovens e adultos

Fonte: Museus Castro Maya - IPHAN/MinC

Trabalhando cerca de quinze anos com a educação de jovens e adultos, o professor especialista em História e Educação, Pedro Souza, percebeu a ausência de conteúdo relacionado ao ensino de história da África no EJA (Educação de Jovens e Adultos), uma parte da educação que, para ele, já é marginalizada. Decidiu, então, pesquisar, na sua tese de doutorado, como essas histórias estavam dispostas nos materiais didáticos.

Há outra relação que envolve essa necessidade de pesquisa. Em 2009, teve início o Programa Nacional do Livro Didático para Educação de Jovens e Adultos. Pela primeira vez, o Governo Federal criou um programa voltado para o EJA, que, até então, não era contemplado. A partir desse ano, o EJA começou a receber materiais didáticos. Logo, a ideia foi identificar de que maneira esses livros contam a história da África em uma modalidade da educação que é bastante específica e diferente de outras etapas do ensino.

Lei 10.639/2003

A lei 10.639/2003 é fruto da demanda do movimento negro. Desde a constituinte de 1987, vinha havendo brigas no Congresso para que a temática africana fosse incluída na educação básica e nos materiais didáticos.

Em 2003, a lei coroa o esforço do movimento negro. Estabelece, portanto, que o ensino de história da África, cultura afro e afro-brasileira deveria ser obrigatória nos ensinos básicos, em todas as suas etapas, tanto nas escolas públicas quanto privadas.

Para o aluno da EJA isso é importante, aponta o pesquisador, “Primeiro para que eles possam conhecer a história da África. Segundo, para que os alunos possam se ver representados. Visto que são majoritariamente negros [cerca de 60 a 70%, segundo dados da pesquisa]”. Além disso, a trajetória desses alunos é bastante acidentada, marcada por interrupções por motivos diversos e por estarem em numa formação que é mais rápida que a tradicional.

Para traçar o perfil do aluno da educação de jovens e adultos, foi usado o método da Prosopografia. Método antigo da Sociologia e também empregado na História que analisa determinados grupos em determinados contextos. Mostra aspectos em comuns e aspectos que diferenciam esses indivíduos dentro desses grupos. “Se estou fazendo uma pesquisa, em que analiso de que maneira ocorre a materialização da história da África, em livros didáticos para EJA, preciso saber minimamente quem são esses alunos.”

Análise e disposição dos conteúdos

Na fundamentação de suas análises, o pesquisador apoiou-se nos trabalhos de história da África. Buscou informações, sobretudo, em historiadores africanos e no método da história social e cultural.

Para a pesquisa, houve a análise de 6 coleções didáticas. Elas são bem diferentes entre si, mas de maneira geral contemplam muito pouco o ensino de história da África, segundo o próprio pesquisador. As duas coleções mais utilizadas na rede pública, aprovadas pelo PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), apresentam avanços se comparadas aos livros didáticos anteriores que praticamente não falavam dessa temática. Isso também acontece com as coleções utilizadas pelo estado de São Paulo, que se prendem a uma visão do continente pautada pelo colonialismo e escravidão.

As imagens contidas nos livros de análises, são, sobretudo, da época do colonialismo e o retrato da escravidão. Eram raras as que retratavam a mulher negra, o protagonismo negro e a valorização da negritude.

Além disso, o pesquisador procurou entender se o conteúdo desses materiais didáticos dialogava com a produção acadêmica especializada na África e cultura afro-brasileira. Obteve resposta negativa ao ver que esses materiais trazem informações ultrapassadas e não convergentes com as novas produções acadêmicas.

Ao analisar o conteúdo e o próprio formato dos livros, Pedro relata a insuficiência em contemplar a pluralidade intrínseca aos grupos de jovens e adultos; o desafio é pensar em um material capaz de atingir todos os tipos de estudante. A forma como o conteúdo se dispõe nos livros é problemática na medida que, muitas vezes, é construída aleatoriamente, sem preocupações específicas que considerem o público alvo.

“O tamanho das letras de um livro da EJA não pode ser igual ao de um ensino regular, por exemplo, porque possuem alunos idosos, com certa deficiência na visão e que estudam à noite. Além disso, as escolas não oferecem condições necessárias para a leitura por ter uma luminosidade inadequada”.

No entanto, o pesquisador compreende que o período de ensino é mais curto (enquanto no ensino regular se faz em um ano, no EJA se faz em seis meses) e que o material didático por si só não se resolve; é preciso a intervenção do professor, mas essa intervenção se compromete pelo preparo do educador.

Foi só recentemente que as grades das universidades incluíram disciplinas que falam da África, tanto em licenciatura quanto em pedagogia, evidenciando a precariedade de formação dos educadores nessa área. É preciso, portanto, pensar na formação inicial e continuada e em condições para que isso seja possível.

“No atual contexto, tem se dificultado ainda mais essas discussões e fica difícil imaginar como serão elaborados os próximos materiais, que podem representar um retrocesso. As universidades têm papel fundamental nesse contexto, mas as ações mais efetivas ainda se encontram nos movimentos negros”, afirma Pedro.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*