Estudos de segurança contra incêndio são otimizados por software

Programas de Dinâmica dos Fluidos Computacionais permitem elaboração de leis mais abrangentes e confiáveis

Simulação de incêndio mostra perspectiva com corte de temperatura em uma sacada. Fonte: Thiago Andrade

Com o crescente adensamento das áreas urbanas, as medidas de segurança contra incêndios tornam-se imprescindíveis na elaboração de projetos de edificação. O que se verifica no Brasil, contudo, é que não há uma unidade na normatização desses métodos, principalmente quando o assunto é compartimentação. Foi em visitas a esse cenário que o pesquisador Thiago Andrade escreveu sua dissertação de mestrado — intitulada “Compartimentação de edifícios para segurança contra incêndio” e desenvolvida através do Departamento de Engenharia de Construção Civil e Urbana da Escola Politécnica da USP — na qual ele busca apresentar um software capaz de auxiliar as pesquisas nesse âmbito.

Existem dois tipos de proteção contra incêndio: a proteção ativa e a proteção passiva. A primeira abrange mecanismos que precisam ser ativados em resposta a estímulos causados pelo incêndio — aqui, incluem-se extintores e alarmes de incêndio. A segunda, por sua vez, refere-se a sistemas reagem passivamente ao incêndio, pois já estão incorporadas à estrutura da edificação. Aqui está incluída a compartimentação.

“A compartimentação”, segundo Andrade, “é basicamente um modo de construir uma edificação em que você tenta garantir que o fogo ficará contido em apenas uma parte dela”. Para tanto, as edificações são subdivididas em compartimentos, cada qual construído e vedado com materiais resistentes ao fogo. A compartimentação pode ser horizontal ou vertical, indicando, respectivamente, que ela impede o alastramento do fogo para diferentes blocos de um mesmo andar, ou para andares diferentes.

Em geral, as normas que norteiam o cálculo de edificações apresentam poucas divergências entre países — esse, porém, não é o caso das normas referentes à proteção contra incêndio. “Supondo que você vai fazer um prédio em Hong Kong. Três andares, quatro andares, cem andares? Não importa. Sua edificação vai ser compartimentada. Não podem ter dois andares que sejam interligados, isso é inaceitável para eles”. Já no Brasil, apenas edificações muito grandes, ou com características específicas, precisam ser compartimentadas — edifícios residenciais com seis pavimentos, por exemplo, não precisam. Mesmo dentro do território brasileiro, ainda existem divergências entre normas de estados diferentes.

Segurança em primeiro lugar

O objetivo principal da dissertação de Andrade, nesse contexto, é mostrar que existe um software que consegue simular um incêndio de forma eficaz, e que poderia contribuir para a elaboração de uma norma mais abrangente e segura. O Fire Dynamics Simulator (FDS) é um programa de Dinâmica dos Fluidos Computacionais que leva em consideração as reações químicas decorrentes da queima de carga e a presença, ou não, de sprinklers em determinado ambiente, a fim de fazer simulações que se estendem das mais realistas até as mais simplificadas. Para a elaboração de uma norma, onde se busca a generalização, as simplificadas tendem a ser as mais ideais.

Simulação mostra projeção do calor para exterior de compartimento; é possível observar comportamento distinto do fogo por aberturas de tamanhos distintos. Fonte: Thiago Andrade

Nesse sentido, Andrade argumenta: “O primeiro ponto de uma pesquisa baseada em um software não é mostrar que ele funciona, mas sim mostrar que você sabe usar o programa”. Para tanto, ele partiu de uma simulação de incêndio realizada por um grupo de pesquisadores da Finlândia e a reproduziu em seu servidor — devido a limitações técnicas, porém, sua versão teve que ser menos detalhada que a realizada pela Thunderhead Engineering Consultants (empresa americana responsável pelo software de modelagem PyroSim), que realizou a mesma simulação computacional anteriormente. No final, os resultados obtidos foram semelhantes àqueles apresentados pelos americanos, atestando a sua aptidão para utilizar o programa.

Em uma segunda etapa, Andrade fez sua própria simulação partindo de parâmetros oferecidos pela legislação do Estado de São Paulo referentes ao valor máximo recomendado para cargas de incêndio, sendo esta a quantidade de material inflamável que pode estar presente dentro de determinada construção. A distribuição dessa carga foi feita segundo o mobiliamento típico de uma residência: dentro de quartos e salas ela era maior, e em banheiros e corredores, menor. Andrade, em seguida, diminuiu a carga total pela metade e, depois, duplicou-a — com isso, ele pôde representar a diferença na severidade do incêndio em uma casa vazia e em uma casa cheia.

Sequência de imagens exibe vistas laterais com cargas de incêndio baixa, média e alta (de cima para baixo). Fonte: Thiago Andrade

O pesquisador sugere que, futuramente, sejam estudadas características específicas de uma edificação — parapeitos de janelas, por exemplo — para estabelecer valores numéricos precisos que se mostrem mais eficientes para evitar a propagação do fogo. Isso contrastaria com a forma com que foram determinados os valores que constam na legislação atual, obtidos através de estudos empreendidos pelos próprios bombeiros: “Com eles, até onde eu sei, não houve realmente um cálculo. Foi na prática, meio que num feeling da profissão.”

Por fim, Andrade destaca que desenvolver uma nova norma de segurança contra incêndio pode auxiliar, inclusive, na diminuição dos custos de construção de uma edificação: “Com um estudo mais aprofundado, é possível ver, de maneira segura, que alguns fatores estão superdimensionados. Ou, de repente, se a norma está inadequada, você aumenta um custo inicial, mas reduz num custo de risco. Mas o principal não é economizar dinheiro, e sim garantir uma segurança maior à vida.”

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