Direito tem criado obstáculos para a inovação no Brasil

Estudo revela que até grandes empresas possuem dificuldades para lidar com a legislação

“A legislação é muito rígida no sentido de não permitir mecanismos pelos quais ela própria pode ser aperfeiçoada”, diz pesquisador - Imagem: Pixabay

Uma pesquisa realizada em 2018 no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP constatou que a legislação brasileira apresenta diversos bloqueios para que a inovação se desenvolva. A falta de articulação que o Estado possui junto à pauta faz com que as empresas desenvolvedoras de tecnologia não consigam atuar de maneira adequada.

O projeto Incerteza e entraves jurídicos à inovação no Brasil, realizado pelo professor da Faculdade de Direito (FD) da USP, Diogo R. Coutinho, investigou como as leis dificultam a relação entre inovação, Estado e empresas privadas, atrapalhando, inclusive, a promoção de políticas públicas voltadas ao assunto.

Por meio da análise foi possível encontrar quatro “famílias de gargalos à inovação”, como explicou o professor. A primeira delas envolve o problema de coordenação dos órgãos públicos. Para Coutinho, além de insuficiente diálogo, há falta de organização no que diz respeito à divisão de tarefas entre empresas públicas voltadas à gestão do financiamento público de inovação. 

“Fundamentalmente no Brasil essas políticas de inovação são concebidas e implementadas simultaneamente por diversos órgãos”, disse o docente, citando como exemplos a empresa Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e outros órgãos ligados à educação, como o Ministério da Educação (MEC). “Tantas instituições e tantas normas causam problemas de coordenação, problemas de lacunas ou de sobreposição, já que há uma discussão sobre quem tem a competência para fazer determinada coisa”, explica o professor. 

O segundo conjunto de problemas identificado na análise são os gargalos na cooperação público-privada. Nesse caso, a falta de articulação se dá entre Estado e empresas privadas, sejam elas grandes ou pequenas. Para o pesquisador, existe um receio muito grande por parte de gestores públicos em assinar contrato com empreendedores: “Possuem muito medo de serem responsabilizados por quaisquer contratos que venham a assinar, já que isso pode ser facilmente confundido com algum tipo de distorção ou corrupção”. 

“Um exemplo são as encomendas tecnológicas — importantes ferramentas previstas pela legislação, na qual o Estado pode encomendar em uma instituição privada o desenvolvimento de uma nova tecnologia”, esclarece. Segundo Coutinho, mesmo quando por meio de políticas públicas é evidenciada a necessidade de buscar tecnologias não disponíveis, as incertezas relacionadas ao processo de contratação dessas encomendas acabam impedindo o Estado de fechar negócio com uma empresa privada. 

A pesquisa identificou que a legislação possui bloqueios que impedem seu próprio desenvolvimento, o que constitui o terceiro grupo de gargalos apontado pelo estudo: entraves no aprendizado e experimentação. Coutinho explica que “a legislação brasileira não permite que os problemas identificados ao longo do caminho de implementação de uma política pública de inovação sejam corrigidos”. Além disso, as soluções encontradas não são aplicadas na forma de um conjunto melhor de leis, segundo o professor. “A legislação é muito rígida no sentido de não permitir mecanismos pelos quais ela própria pode ser aperfeiçoada. Ela não permite que haja experimentação e correção da sua própria rota ao longo do caminho”, diz. 

A última família de gargalos apontada pelo estudo é a falta de seletividade das políticas públicas. O professor conta que “as políticas públicas do Brasil de estímulo à inovação, competitividade, ciência e tecnologia, não têm conseguido escolher prioridades de forma satisfatória”. Por querer implantar os poucos recursos que possuem em diversos projetos, nenhum deles é abordado com profundidade ou abrangência, como explica Coutinho: “Seria melhor que esses recursos fossem gastos de maneira focada e em projetos específicos”. 

Como exemplo de investimento focado, o professor cita as estratégias utilizadas pelo governo norte-americano na década de 50, voltadas à lógica de Defesa. “A internet, por exemplo, é uma iniciativa deste governo, surgida no contexto de políticas movidas por missão”, explicita.

Ao finalizar a pesquisa, o docente disse que “a hipótese de que o Direito mais atrapalha do que ajuda, ou ajuda na mesma medida em que atrapalha, se confirmou”. Por outro lado, contou ter se impressionado com o fato de grandes empresas, mesmo as mais capacitadas juridicamente, possuírem enorme dificuldade para compreender a legislação. “Se para uma grande empresa é assim, me pergunto como é para uma pessoa que quer abrir uma startup, tem uma boa ideia, mas não possui recursos para contratar um bom advogado”, diz.

Esses dilemas, segundo o docente, se dão por conta da maneira fragmentada com que a legislação se apresenta, o que a impede de ser lida como um todo. Dessa forma, para que a inovação consiga se desenvolver, é preciso que a legislação seja flexível e adaptável a mudanças. Segundo ele, a inovação não está somente no campo tecnológico, mas na interpretação ousada das leis. “Ao invés de os juristas ficarem vendo o Direito em caixinhas como Direito Civil, Tributário, Administrativo, seria interessante que enxergassem o desafio de promover inovação como sendo de natureza transversal e começassem a estudar e ensinar nas faculdades um Direito que cobrisse todas essas áreas”, critica. 

A pesquisa faz parte do programa Ano Sabático, no qual os pesquisadores selecionados recebem uma bolsa com duração de um ano para desenvolver seu projeto.

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