Coletivos de cultura dão autonomia às periferias

Geração de renda local e uso das tecnologias de informação trazem novas perspectivas

Atividades culturais possuem impactos sociais, políticos e econômicos - Imagem: Crisley Santana

Desenvolvida no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, uma pesquisa está investigando como os coletivos de cultura possibilitam uma independência às pessoas que vivem em periferias — que nem sempre o atual sistema neoliberal permite. 

Projetos insurgentes: Os coletivos de cultura e comunicação nas periferias da cidade de São Paulo é o nome da análise realizada pelo professor Dennis de Oliveira da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, com o objetivo de fazer reflexões baseadas nas experiências trazidas por projetos culturais estimulados pela prefeitura. 

Ele conta que o foco está nas periferias das zonas sul e leste “tanto pela quantidade maior de pessoas, quanto pela quantidade de comunidades e projetos que há nesses locais, maior que nos outros”.

A ideia central do estudo, segundo Oliveira, é “não pensar a periferia como lugar de carência, mas de potência, com possibilidade de construção de outras narrativas”. Para tal, as atividades culturais financiadas pelo Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais (VAI), da prefeitura, são os alvos da análise. A escolha desse programa específico, explica o professor: “Se deu porque ele possibilita que pessoas da ‘quebrada’ possam criar projetos, sem precisar se associar a nenhuma organização”. 

Por meio da observação desses projetos, a pesquisa busca compreender a complexidade das experiências periféricas. “Dá para ver, por exemplo, que realizar um festival de hip hop com o financiamento de um programa como esses é mais vantajoso para um jovem do que ir trabalhar no centro. Pois, além de não precisar pegar quatro ‘conduções’, vai desenvolver uma cadeia econômica local”, explica.

Essas atividades, portanto, possuem impactos sociais, culturais e políticos. Possibilitam também impacto econômico. “Isso dá acesso a outras formações, como aprender a prestar contas, como se relacionar com o poder público, negociar”, detalha Oliveira. 

Além disso, o pesquisador comenta que essas ações dão aos jovens outras perspectivas de formação. Como exemplo, ele fala sobre o projeto Terça Afro, no qual toda terça-feira do mês há uma roda de conversa sobre questões ligadas a população negra. O desenvolvedor dos encontros faz filmes sobre eles e os coloca na internet. Após criar esse projeto, decidiu fazer curso de Rádio e TV e atualmente possui uma pequena produtora, na qual trabalha filmando eventos sociais, como casamentos. 

Esse processo, segundo o docente, confere autoestima às periferias, que por sua vez, gera autonomia e com ela, há mobilização e reivindicação por direitos.

Dessa forma, essas atividades também são capazes de criar um contraponto ao sistema neoliberal, ainda que não seja direto. O docente explica: “As comunidades se apropriam das tecnologias de informação, opressoras, para dar a elas outro sentido. Com elas, podem se fazer presentes”. 

Essa opressão, segundo Oliveira, estaria baseada no sistema neoliberal, que propõe a criação dessas ferramentas para agregar ao mercado financeiro e acaba gerando precarização de muitas formas de trabalho. Por exemplo, a dos jornalistas. 

Mas quando há apropriação dessas tecnologias pelas “quebradas” — quando produzem vídeos para o YouTube, por exemplo, esse sentido é ressignificado, baseado na autonomia de que a periferia pode produzir comunicação, informação e cultura. E dessa forma, fazer parte de uma sociedade que insiste em apagá-la. 

“Apesar de não adotarem esse discurso de ‘somos contra o neoliberalismo’ a ação desses coletivos cria uma postura de oposição ao sistema”, esclarece o pesquisador, dizendo ainda que há uma forte avalanche cultural produzida nas favelas que é ignorada por grande parte da sociedade. 

E critica: “Quantas pessoas da Academia, aqui da USP mesmo, estudam essa produção periférica? Quantos profissionais das letras, jornalistas, editores, estudam a produção literária periférica? Quantos músicos estudam o Slam? A maioria nem sabe o que é”. 

O projeto pretende contribuir tanto para o campo comunicacional, quanto para a reflexão de que as políticas públicas reconheçam que a periferia é um território que não pode ser considerado mero objeto: “São sujeitos. Eles existem, eles têm o que dizer e possuem produções importantes”. 

A pesquisa faz parte do programa Ano Sabático, no qual os pesquisadores selecionados recebem uma bolsa com duração de um ano para desenvolver seu projeto.

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