Célula da retina começa a ser estudada em outras partes do corpo

O fotopigmento descoberto no início do século têm seus estudos aprofundados e novas funções começam a ser encontradas

A melanopsina é um tipo de célula fotorreceptora que, diferente dos bastonetes e dos cones, não resulta em formação de imagens. Sua descoberta ocorreu no início do século, sob a hipótese de existir um terceiro tipo celular na retina que seria responsável por regular as funções corporais rítmicas de uma pessoa cega. Com isso, foi encontrada a melanopsina, que capta a luz e envia essa informação para uma região do cérebro chamada de relógio central, responsável por sincronizar todas as funções do corpo.

A partir da descoberta da melanopsina e de sua função, foram-se expandindo os estudos sobre esse pigmento. Atualmente, a pesquisadora Ana Maria de Lauro Castrucci, do Instituto de Biociências da USP, trabalha investigando possíveis novas funções desse componente: “Estou tentando entender a função da melanopsina fora do olho. Nós já descobrimos que existe esse fotopigmento em células da pele e em órgãos como o coração, que é o que mais expressa melanopsina. A minha grande pergunta é: o que esse pigmento, que serve para perceber luz, está fazendo em outros tecidos e em órgãos que estão no escuro?”, explica a professora. Esses questionamentos levaram-na a desenvolver dois projetos: um que estuda a melanopsina na pele e outro no coração.

Funções do pigmento na pele

Através de testes feitos com radiação ultravioleta e pulsos de temperatura descobriu-se que a melanopsina tem a função de termorreceptor, ou seja, ela é responsável por intermediar a sensação térmica em todo o tecido, além de sensor de radiação ultravioleta. 

Os estudos, subvencionados pela Fapesp, estão sendo feitos irradiando luz ultravioleta em animais com e sem melanopsina, ambos com os olhos cobertos. Ana Maria tenta descobrir se o pigmento é responsável pelo aumento da produção de hormônios, como o CRH, ACTH e o cortisol, que são produzidos pelo eixo central — hipotálamo, hipófise e adrenal —, mas também são fabricados na pele. “Queremos descobrir se quando iluminamos com UV a pele, com e sem a melanopsina presente, esses hormônios estão sendo fabricados no tecido e se isso interfere no eixo central. Com isso, entender qual o papel da melanopsina nesse processo”, diz.

Células B16-F10 de melanoma de camundongo. Em azul, núcleo; em laranja, melanopsina. Imagem cedida pela pesquisadora

Melanopsina no coração

O segundo estudo é mais ambicioso, encontra-se em julgamento na Fapesp, e busca entender a função da melanopsina no coração, já que esse possui uma grande concentração do fotorreceptor. O que se sabe é que quando está frio, o corpo humano produz mais calor, a fim de manter a temperatura corporal. Isso é feito através do sistema nervoso central que envia informações para o tecido adiposo marrom, que passa a esquentar o resto do corpo.

Outro caso já descrito na literatura científica, afirma que o coração também é estimulado pelo sistema nervoso. Dessa forma, ele passa a produzir hormônios que ajudam a manter a temperatura corporal em 37ºC. É aí que entra a pesquisa da professora: “Minha hipótese é a seguinte: o coração é o órgão que mais expressa melanopsina, e se ela é um sensor de calor na pele, será que ela não tem a mesma função no coração?”.

No coração chega sangue de dois locais que, normalmente, estão com uma temperatura um pouco inferior à do centro do corpo: do pulmão, por conta do ar frio, e da pele, que está em contato direto com o exterior. A pesquisa tenta descobrir se o coração sozinho é capaz de perceber a baixa temperatura do sangue e ativar uma produção maior de hormônios natriuréticos, já sabidamente ativadores do tecido adiposo marrom, através da melanopsina.

Fibroblastos 3T3-L1 de camundongo. Em azul, núcleo; em laranja, melanopsina. Imagem cedida pela pesquisadora.

Os testes serão feitos através de uma cultura de coração de camundongos com e sem melanopsina: “Vamos fazer desafios de frio na cultura. Além dos animais com e sem melanopsina, também faremos com animais que terão as outras vias do sistema adrenoceptor truncados. A partir disso, descobriremos se o coração é capaz de perceber temperatura sozinho e se isso deve-se à presença de melanopsina”, conta Ana Maria. 

Segundo a professora, todas essas são pesquisas de base, que servem para entender as funções desse fotopigmento no corpo e estão bem no início. Mas seus resultados, futuramente, poderão servir para elaborar tratamentos de doenças, como o vitiligo e melanoma, e distúrbios metabólicos, como a obesidade.

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