Legislação deve acompanhar avanço tecnológico do mercado financeiro

Especialista em Direito Econômico avalia as mudanças promovidas pela tecnologia no mercado financeiro e traça paralelo com a evolução da regulação feita pelo Banco Central

O surgimento e consolidação das fintechs se trata de uma inovação financeira que gera desafios regulatórios. Pensando nisso, o pesquisador da Faculdade de Direito da USP Alexandre Rebêlo Ferreira apresentou sua dissertação “Desenvolvimento entre garantia e elasticidade: a regulação das fintechs de crédito no Brasil”. Na obra, o autor buscou analisar com maior atenção o sistema bancário brasileiro — tradicionalmente marcado pela pouca diversidade de instituições e forte presença de bancos públicos — e inferir as demandas que as fintechs podem exercer nesse cenário.

Palavra resultante da união finance e technology (finança e tecnologia, em inglês), o termo fintech é utilizado para designar companhias financeiras que utilizam extensivamente as novas tecnologias para guiar e otimizar seus serviços. Desse modo, pode-se, por exemplo, oferecer uma gama mais especializada de atividades a um custo operacional menor e esquema mais enxuto, muitas vezes apoiados em práticas como análise de big data, inteligência artificial etc.

“Desde 2015, a agenda fintech vem ganhando muita relevância no mundo e especialmente no Brasil, que é, hoje, o país com mais empresas do tipo na América Latina. Há destaque para as fintechs de pagamento e para as de crédito — que têm operações de financiamento e empréstimo e que foi o nicho específico que concentrei minha pesquisa, já que o Banco Central identificou e incorporou sua agenda de trabalho BC+, vinda do período de Ilan Goldfajn na Presidência. A BC+ incorpora a agenda das fintechs e esse novo padrão de organização do mercado financeiro com uma estratégia para fomentar a concorrência”, comentou Alexandre sobre o panorama que inspirou seu trabalho.

Um dos casos de anacronismo entre leis e atividades abordadas na dissertação é o da empresa Fairplace, que oferecia operações diretas entre credores e devedores no chamado modelo peer-to-peer (P2P). Apesar de se apresentar como uma plataforma de exclusivo contato entre as partes envolvidas, a empresa foi enquadrada pelo BACEN e penalizada por atuar como instituição financeira sem a prévia e indispensável autorização da autoridade supervisora. O caso serviu de estímulo para maior atenção a esse tipo de empreitada e, menos de um ano após a punição definitiva, o Banco lançava um Edital de Consulta de Pública a fim de dar os primeiros passos regulatório desse tipo de atividade.

Ao se dispor a regular e organizar o mercado, e justamente porque é um mercado com uma densidade regulatória muito grande, o Banco Central começou a sinalizar que deseja construir um ‘loteamento regulatório’ a ser ocupado. “A sociedade de crédito direto (SCD) e a sociedade de empréstimo entre pessoas (SEP) atendem a uma demanda do mercado, então é possível ver que a primeira proposta já sinaliza na direção de organizar e consolidar as fintechs de crédito. Além disso, a versão final do texto incorpora várias sugestões que os atores do mercado dão, como, por exemplo, permitir que essas companhias possam securitizar crédito e ceder papéis e títulos originados em suas operações para fundo de investimento em direito creditório (FIDICs). Isso foi um gesto do Banco buscando incorporar esse modelo de negócio e que permitiu às fintechs operar de um modo menos dependente dos bancos tradicionais”, explicou, comentando uma das grandes mudanças no que diz respeito à legalidade das operações dessas empresas.

A análise seguiu dividida em dois eixos: no primeiro houve análise da variedade de conexão das fintechs, novos players em geral e figuras regulatórias do mercado no sistema financeiro, criando uma nova hierarquia que, ao mesmo tempo que compreende a operação mais flexível das fintechs no mercado, fomenta o crédito securitizado que forma a estrutura de um sistema financeiro paralelo, chamado de shadow banking. Apesar de não ver o shadow banking como um problema em si, Alexandre reforça que uma maior volatilidade do mercado pode gerar dificuldades aos órgãos governamentais na hora de tomar medidas que controlem eventuais crises, por exemplo.

O segundo eixo focou-se na técnica regulatória, trazendo elementos jurídicos que podem ser aplicados de saneamento básico, por exemplo, às finanças. O pesquisador reforça que todo tipo de regulação gera efeitos diretos que devem ser bem ponderados e balanceados. Além disso, o sistema financeiro mostra-se sui generis por sua grande variação de parâmetros e elevada importância na vida das pessoas. “É interessante ver que o BACEN parte de um padrão mais tradicional de comando e controle — como foi no caso da Fairplace — e passa a se permitir um maior grau de experimentalismo e arranjos provisórios, controlando seu poder de supervisão”, avaliou.

Alexandre, por fim, ressaltou que as mudanças promovidas pela tecnologia tendem a ser permanentes e inevitáveis. Desse modo, é de se esperar que as operações financeiras sigam se modificando e carecendo de regulações que acompanhem as novas relações com o dinheiro. No caso específico da sociedade de empréstimos entre pessoas em que haja intermediação peer-to-peer, trata-se de uma mudança do padrão da intermediação clássica, o que exigirá uma reestruturação de obrigações num modelo de intermediação semi-engajada. “Acho que ainda temos alguns pontos para debater, mas penso que a regulação sinaliza de forma positiva para o mercado de fintechs. Todavia, ela ainda é o começo se realmente estivermos diante de mudanças estruturais no sistema financeiro. Muitos outros passos ainda precisariam ser dados”, acrescentou.

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