Acordo de leniência: instrumento delicado e quase perigoso, porém necessário

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Foto de dezembro de 2016 da sede da Odebrecht, em São Paulo. Fotógrafo: Sebastião Moreira (EFE). Fonte: El País.

Os acordos de leniência surgiram no Brasil no contexto da Operação Lava Jato e foram instituídos em 1º de agosto de 2013 por meio da Lei Anticorrupção (Lei 12.846). Com o envolvimento de grandes empresas públicas e privadas em casos de corrupção, os acordos vieram com a proposta de reduzir a pena de empresas em troca de informações às autoridades. A pesquisadora Raquel de Mattos Pimenta, da Faculdade de Direito da USP, aborda em sua tese de doutorado a importância dos acordos e aponta as melhorias que devem ser tomadas para o uso desse instrumento no futuro.

Segundo Raquel, atualmente há muitas notícias que relatam sobre acordos de leniência, tem muitas instituições tentando colocá-los em prática. Porém, ainda que se decida quem, é imprescindível que se decida o que será feito. Como os danos serão calculados, como mudar o comportamento das empresas, como garantir que estas não voltarão a exercer atos ilícitos, são perguntas que seguem sem respostas. Pensando nisso, Raquel passou a analisar, durante os cinco anos de implementação dos acordos de leniência no Brasil (2014-2018), a relação entre agente e função neste instrumento ainda novo e complexo da legislação.

Em dezembro de 2016, foi firmado o acordo de leniência da Odebrecht, a última grande empresa brasileira a firmá-lo na Operação Lava Jato. Contudo, as autoridades não definiram um escopo, não delimitaram as informações que a empresa deveria fornecer. A Odebrecht foi responsabilizada em declarar todas as ações ilícitas nas quais já havia se envolvido, gerando uma complexidade gigantesca tanto para a própria empresa, quanto para as autoridades, o que demandou muitos recursos, além de um longo período de investigações.

Como os acordos de leniência funcionam

“O acordo de leniência é um instrumento delicado e quase perigoso, porém se faz necessário em grandes casos de corrupção”, afirma Raquel. Delicado e por vezes perigoso, explica ela, pois se não for usado corretamente pode minar a legitimidade da autoridade. Além disso, representa um risco ainda maior para a empresa, que pode fechar um acordo com a autoridade, essa se apropriar de suas informações e fazer nova ação para punir a empresa, como se não tivesse sido validado.

Isso significa que os acordos de leniência não devem ser usados? Raquel acredita que não. Eles são um instrumento extremamente importante e poderoso, isso porque permite às autoridades saber como os esquemas de corrupção são feitos, examinar e definir padrões, também ensinando onde elas devem procurar a existência de corrupção. Contudo, Raquel ressalta que fazer uso desse instrumento é sempre assumir um risco, para ambos os lados da moeda.

Para mitigar esse risco, se faz necessário olhar atentamente para como os acordos de leniência são feitos, quais as informações a empresa precisa fornecer, quais serão as alternativas e qual a obrigação da empresa a partir desse momento. Atentar-se não somente à autoridade que fará, mas quais as funções que lhes serão atribuídas é a chave para que o acordo de leniência seja executado corretamente.

O “efeito saturação” dos casos de corrupção

Para Raquel, ao passo em que as pessoas vêem notícias, mais elas têm a impressão de que já viram e já conhecem tudo sobre corrupção, e isso causa o que ela chama de “efeito saturação”. Porém, a pesquisadora ressalta que este é o momento de olhar e analisar quais foram os pontos positivos e negativos da Operação Lava Jato até agora. Para além das notícias pontuais, “hoje conseguimos ter um panorama geral e com isso podemos apontar os problemas da base”, conclui Raquel.

A análise crítica do que foi a Lava Jato, ponderando seus problemas, possíveis soluções e aperfeiçoamento de instrumentos permite que estes sejam usados no futuro e, mais do que isso, que exista política de controle à corrupção além deste caso em específico. Na concepção da pesquisadora, o assunto deve ser fomentado, sobretudo pelas Academias, que tem papel importante no desenvolvimento de pesquisas, para que não haja a morte da política de controle de corrupção.

Raquel acredita que serão anos difíceis daqui pra frente, pensando nas dúvidas que estão surgindo quanto à Operação Lava Jato. O Supremo Tribunal Federal (STF) agora tem um desafio: destilar aprendizados importantes, pontuar eventuais correções e sobretudo, conseguir preservar a mesa de negociação dos acordos de leniência, pois uma vez que não haja a possibilidade de negociação, o acordo perde a razão de ser.

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